Por Tárcio Fabrício e
Ana Beatriz Tuma
Passados cem anos de sua
descoberta, fenômeno continua a intrigar os cientistas, prometendo avanços
tecnológicos revolucionários
Levitação:
um dos incríveis fenômenos possibilitados pelos supercondutores.
Em 1911, o holandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926) descobriu um fenômeno que mudaria o entendimento
sobre a resistência elétrica dos materiais. A partir daquele momento, foi
possível sonhar com a condução de grandes quantidades de energia sem nenhum
tipo de perda. Tinha início a história da supercondutividade. Mas, afinal, por
que o fenômeno da supercondutividade chama tanta atenção dos cientistas? Para
onde a sua total compreensão e domínio podem nos levar?
Antes
de mergulharmos nas aplicações tecnológicas e nas pesquisas atuais relacionadas
à supercondutividade, é necessário compreender como se dá tal fenômeno. Todo e
qualquer material apresenta a chamada resistência elétrica. Nos condutores,
quando uma corrente elétrica é adicionada, um grande número de elétrons livres
começa a se deslocar de maneira desordenada, colidindo entre si e com
obstáculos criados pelo próprio material condutor. Assim, boa parte dessa
corrente é transformada em calor e dissipada, representando perda de energia,
no chamado efeito Joule.
Já nos
supercondutores, a possibilidade de condução de energia sem perdas está
relacionada à temperatura do material. Edson Vernek, do Instituto de Física da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), conta que mesmo antes da
revolucionária descoberta de Onnes já eram conhecidas algumas dessas relações
entre temperatura e condutividade elétrica. “Já se sabia que um pedaço de metal, quando está em
temperatura alta, possui alta resistividade, isto é, apresenta dificuldade de
passar corrente elétrica”, explica.
Em
seus experimentos, Onnes resfriou uma amostra de mercúrio utilizando hélio
liquefeito e testou seu comportamento elétrico. Quando o material alcançou a
temperatura de 4,2 K (-268,95 ºC), a resistência desapareceu. “Esta foi a grande
surpresa, o começo da supercondutividade”, afirma Fabrício Macedo de Souza, também da UFU. “É o que chamamos de temperatura crítica”, explica
Vitorvani Soares, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). “Quando
o material é resfriado a temperaturas abaixo desse limiar é que se estabelece o
fenômeno da supercondutividade”, completa.
Entretanto,
ainda faltava uma explicação para o fenômeno recém-descoberto por Onnes. Muitos
cientistas buscaram essa explicação, como os irmãos alemães Fritz (1900-1954) e
Heinz (1907-1970) London – com o chamado modelo de dois fluidos – e os russos
Vitaly Ginzburg (1916-2009) e Lev Landau (1908-1968) – com a teoria denominada
Ginzburg-Landau. Contudo, o entendimento mais preciso do fenômeno demorou 46
anos para acontecer, a partir dos estudos realizados por John Bardeen
(1908-1991), Leon Cooper (1930) e John Robert Schrieffer (1931). A Teoria BCS,
como ficou conhecida, explicou o fenômeno a partir da compreensão de como se
formam os chamados “pares de Cooper”.
Pares de Cooper
Os pares de Cooper são pares de
elétrons que começam a se formar quando os supercondutores são resfriados
abaixo da sua temperatura crítica. “Assim, em pares, eles conseguem fluir mais livremente pelo
material, sem que percam energia”, conta Evandro Vidor de Mello, do
Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF). Isto porque os
pares de Cooper apresentam um comportamento diferente dos elétrons isolados,
atuam como partículas de spin inteiro, o que permite que sejam condensados em
um mesmo nível de energia.
Modelo das bolas de boliche
(fonte: Branício, P. S., 2001.
Com isso, um dos elétrons, em sua
passagem pela chamada rede cristalina, cria uma deformação, atraindo para perto
de si o outro componente do par. Para compreender esse fenômeno, podemos pensar
nesses elétrons como bolas de boliche em um colchão de água: Quando uma das
bolas é empurrada para o centro do colchão, a deformação causada na superfície
faz com que a segunda bola “role” para junto da primeira.
Vernek,
da UFU, esclarece que os elétrons pareados não estão necessariamente juntos,
podendo estar distantes no sistema. “É como em um salão de danças, onde tem muita gente e os
casais dançam. Um dos membros do casal pode estar de um lado e, o outro, em um
ponto distinto do salão, e eles estão dançando juntos, pois sabem que são os
pares.” (Veja
aqui o vídeo “A dança da supercondutividade”.)
Caça aos supercondutores
De acordo com a Teoria BCS, que
rendeu um prêmio Nobel para seus idealizadores, o fenômeno da
supercondutividade seria improvável em materiais com temperaturas acima de 30 K
(-243,2 ºC). Porém, em 1986, outra descoberta revolucionária tomou forma com
Johannes Bednorz e Karl Müller, que descobriram um supercondutor cerâmico com
temperatura crítica de 35 K (-238,2 ºC). A descoberta rendeu aos dois
pesquisadores o Prêmio Nobel de Física em 1987, considerado o mais rápido da
história.
Os
supercondutores cerâmicos abriram novas perspectivas de pesquisa e permitiram
logo em seguida que Paul Chu e sua equipe descobrissem um óxido de
ítrio-bário-cobre (YBa2Cu3O7) com temperatura
crítica de 92 K (-181,2 ºC). Tal feito revolucionou as possibilidades de
aplicação dos supercondutores, uma vez que é possível utilizar nitrogênio
líquido – com temperatura de ebulição de 77 K – no resfriamento do material, em
vez do hélio líquido, que é muito mais caro. Estava aberta a temporada de caça
a novos materiais supercondutores em temperaturas mais elevadas.
Se
por um lado essas descobertas ampliaram a possibilidade de utilização desses
materiais, por outro elas criaram novas perguntas para os cientistas, uma vez
que a Teoria BCS explica o fenômeno em alguns materiais, mas não pode ser
aplicada a outros. Justamente por isso, de acordo com Souza, da UFU, a
supercondutividade ainda é uma área em aberto. “Não temos uma teoria que explique o
comportamento dos supercondutores cerâmicos, de alta temperatura. Com certeza,
o físico que conseguir explicar, também ganhará o Nobel”, conclui.
Peculiaridades
Vitorvani Soares, da UFRJ, revela
que o fenômeno da supercondutividade ainda guarda outra característica muito
particular: quando um campo magnético é aplicado a um material que encontra-se
na fase supercondutora, gera um campo contrário e igual ao aplicado, fazendo
com que o campo magnético de seu interior fique nulo. Essa descoberta coube a Walter Meissner (1882-1974) e Robert Ochsenfeld (1901-1993) que, em 1933, observaram
que os supercondutores, quando colocados imersos em um campo magnético externo
e resfriados abaixo de sua temperatura crítica, são capazes de expelir o campo
magnético aplicado, no que ficou conhecido como “Efeito Meissner”. “É exatamente essa
propriedade que possibilita a levitação desses materiais”, revela
Mello, da UFF.
Transporte
mais eficiente: Os MagLevs utilizam supercondutores para levitar, diminuir o
atrito e, assim, alcançar altas velocidades.
A presença de um ímã próximo ao
material supercondutor induz a formação de correntes na superfície desse
material. Essas correntes geram seu próprio campo magnético, fazendo com que o
campo do interior do material, quando somado ao campo externo, seja igual a
zero. Assim, o campo do ímã é repelido pelo campo gerado na superfície do
supercondutor, como se este último atuasse como um espelho refletindo o campo
magnético do imã. De acordo com Mello, é esse o efeito que possibilita a
criação dos trens do tipo MagLev.
“Nos MagLevs, você
precisa de campos magnéticos intensos. Na base do trilho, você usa bobinas
supercondutoras para gerar campos magnéticos intensos. Onde o trem levita, não
tem atrito e, sem o atrito, não há perda de energia e o trem pode adquirir
altas velocidades”, afirma Souza.
As
características magnéticas dos materiais supercondutores também são distintas
de acordo com o seu tipo. Enquanto nos supercondutores do tipo I o efeito
Meissner é total, nos do tipo II existe a penetração parcial do campo magnético
para dentro do material.
Outra
característica curiosa nessa relação entre supercondutividade e magnetismo é o
fato de que quando os materiais supercondutores são expostos a campos
magnéticos acima de determinado valor, o chamado campo magnético crítico, eles
voltam a ser condutores normais. E, no caso dos supercondutores do tipo II, que
apresentam temperaturas críticas mais elevadas, a transição para o estado
supercondutor acontece de forma gradual e eles não apresentam o chamado efeito
Meissner de forma ideal como os materiais do tipo I.
Tipos de Supercondutores
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será avaliado e só será exibido após aprovação.