A D-Wave
Systems anunciou nesta semana que ultrapassou a marca de processamento de 1000
qubits (bits quânticos) com um novo chip que tem o dobro do tamanho do último
criado pela própria empresa. Com isso, o processador considera 21000
possibilidades simultaneamente, o que minimiza as 2512
possibilidades que estavam disponíveis com o D-Wave Two. Para efeito de
comparação, o número de possibilidades que o chip pode considerar é maior do
que o número de partículas de todo o universo visível.
Em termos
práticos, a conquista tecnológica da D-Wave
Systems permitirá que um computador quântico possa resolver problemas
computacionais mais complexos do que qualquer outro. Isso porque o qubit, que é
uma unidade de informação com propriedades quânticas, trata os dados de maneira
diferente do bit comum. Em vez de considerar as informações de forma isolada,
como fazem os computadores tradicionais, ele as integra para criar novas
dimensões para o processamento.
“Quebrar a barreira
dos 1000 qubits marca o resultado de anos de pesquisa e desenvolvimento de
nossos cientistas, engenheiros e fabricantes”, afirmou Vern Brownell, CEO da
D-Wave. “Esse é um passo essencial para trazer a
promessa da computação quântica para lidar com problemas mais desafiadores que
as organizações possam enfrentar, sejam eles técnicos, comerciais, científicos
ou de segurança nacional”.
Os novos
processadores, que compreendem mais de 128.000 junções Josephson em 6 camadas
de metal num processo de 0,25 µm, são os supercondutores de circuitos
integrados mais complexos já produzidos com sucesso. Para que funcionem, esses chips precisam
estar 40% mais refrigerados do que os outros processadores quânticos – que já
requeriam estar próximos do zero absoluto. Com esse novo processo de
fabricação, a D-Wave conseguiu também reduzir o barulho dos
componentes em 50%.
“Para a indústria de
computação de alto desempenho, a promessa da computação quântica é muito
emocionante. Ela oferece o potencial para resolver problemas importantes que
não podem ser resolvidos hoje ou tomariam uma quantidade razoável de tempo para
isso”, disse Earl Joseph,
vice-presidente da IDC ao HPC.
Baseada
em Palo Alto, na Califórnia, a D-Wave é
a maior fabricante de componentes de computação quântica do momento e presta
serviços para a NASA e Google.
A
empresa D-Wave parecia um tiro no
escuro quando lançada em 1999. Um ramo da University of British Columbia (UBC),
a empresa pretendia comercializar o que na década de 1990 era um campo relativamente
controverso e teórico - a computação quântica. A computação quântica é a arte
de manipular entidades atômicas e explorar peculiaridades da física conhecida como “efeitos quânticos” para armazenar
informações de forma mais densa e obter respostasinstantaneamente de
algoritmos complexos. A computação quântica é um desafio dos dois lados. Primeiro
você precisa desenvolver um hardware capaz de explorar os tipos desejados de
manipulação quântica. Segundo, você precisa programar o hardware com um
algoritmo quântico derivado de um algoritmo clássico, como o algoritmo Page
Rank de busca do Google.
Na
década de 1990, nem o hardware nem o desenvolvimento de algoritmos quânticos
era avançado o suficiente para ser considerado comercialmente viável. Mas a D-Wave
jogou os dados e lançou uma startup na esperança de que poderia mudar isso no
lado do hardware. Trabalhando em estreita colaboração com a UBC, com a Universidade de Toronto, com o laboratório de propulsão a jato da NASA e várias outras
instituições de pesquisa americanas e canadenses, a D-Wave conseguiu atingir o
improvável – construiu um hardware de computação quântica com potencial
comercial.
Em
2007, ele executou sua primeira demonstração pública no sistema “Orion” de 16
qubits (qubit = bit quântico), que tinha uma parte especial de hardware chamado
de “processador supercondutor quântico adiabático”. O processador quântico foi
mais do que um co-processador no sentido de que ele não foi projetado para
computação de propósitos gerais, mas para rodar algoritmos quânticos
especializados carregados pelo hardware convencional.
Soluções
foram geradas a partir de um processo complexo conhecido como 'recozimento
quântico' (quantum annealing). Mais especificamente, o sistema da D-Wave opera
através do entrelaçamento quântico - uma espécie de ligação psíquica
(metaforicamente falando) entre elétrons em que espelham seus estados uns nos
outros (mais especificamente, espelham uns nos outros os spins sobre seus
respectivos núcleos atômicos). Para obter resultados quânticos confiáveis, o sistema é resfriado a uma
temperatura tão fria quanto ou mais que o espaço
sideral.
Inicialmente, a alegação da D-Wavepossuir o primeiro computador quântico funcional foi controversa. Contudo, os céticos foram
incapazes de refutar suas reivindicações. Apoiadores como a NASA publicaram evidências
dando suporte à sua possível validade.
O primeiro projeto revelado
publicamente da D-Wavefoi o processador
“Orion” de 16 qubits
Desde
o início, aplicações para a pesquisa eram evidentes. Junto com a resolução dos
enigmas de Sudoku e um problema de escalonamento, um dos três demos iniciais em
2007 envolveu a busca de moléculas conhecidas em um banco de dados. Determinados
algoritmos de busca de gráfico são problemas NP-completos; portanto, é
impossível em um sentido convencional gerar uma solução exata na maioria dos
casos.
A D-Wave iniciou a
produção comercial com o processador “Orion” de 16-qubit
O
objetivo é desenvolver a heurística para fornecer uma boa aproximação com base
nas necessidades. Um dos objetivos centrais da D-Wave foi desenvolver um hardware comercial para obter soluções
aproximadas de problemas NP-completos muito mais rápido do que é possível com
hardware convencional.
Em
maio de 2011, a D-Wave anunciou a
disponibilidade de um processador de 128 qubit apelidado de “Rainier”
(codinome: Chimera). O sistema completo tinha um preço de US$ 10 milhões de
dólares. Este sistema tem uma temperatura operacional de 13,8 milikelvin (mK).
A temperatura média que ocorre naturalmente no espaço sideral é
de aproximadamente 2,7 K -
quase 200 vezes maior do que a temperatura no interior do computador quântico.
D-Wave lançou em 2012
processadores quânticos de 128 qubits
Apesar
do custo, o sistema recebeu várias compras. Os clientes incluem Universidade de
Harvard, a Lockheed Martin Corp.
(LMT) e a Universidade de Cornell. Enquanto o sistema mostrou resultados
questionáveis em termos de aceleração, ao
menos desmistificou o ceticismo fornecendo indícios de que o complexo
equipamento funcionou como descrito.
O computador quântico
One D-Wave vendido por US$ 10 milhões de dólares
Mais
tarde naquele ano, a D-Wave apresentou
o Vesúvio (D-Wave Two) com 512-qubit.
O design do D-Wave Two foi um salto
crucial, uma vez que finalmente começou a eclipsar os computadores tradicionais
em velocidade. Em alguns casos, o D-Wave
Two foi centenas de vezes mais rápido quando comparado o melhor algoritmo
quântico com o algoritmo clássico mais apto em hardware tradicional.
Google e D-Wave:
enredados por uma causa comum
O
envolvimento da Google com a D-Wave
remonta há mais de meia década. Em 2009, uma das primeiras demonstrações de
protótipos iniciais da D-Wave
envolveu um algoritmo quântico de busca de imagem da Google. Em maio de 2013, o Google e a D-Wave aprofundaram a parceria anunciando a abertura do laboratório Google Quantum Artificial Intelligence. O laboratório foi
co-patrocinado pela NASA e pela Universities Space Research Association (USRA). Ele mostrou que em vários indicadores, o
D-Wave poderia oferecer uma
aceleração de 3 a 5 ordens de magnitude maior do que dos algoritmos e hardwares
convencionais.
Google
usou suas caixas da D-Wave
para otimizar partes do seu sistema operacional Android. Enquanto eles se recusaram
a revelar certos detalhes, o Google disse que as otimizações alcançadas com o
hardware quântico foram muito além do que era possível com o seu hardware
convencional. Uma caixa da D-Wave
poderia fazer o trabalho de otimização, em alguns casos, de todo um grande
centro de dados.
Em
maio, o laboratório ofereceu uma validação crucial da tecnologia D-Wave, usando uma técnica chamada
espectroscopia de tunelamento de qubit. Eles observaram uma forte evidência de
entrelaçamento quântico durante uma parte chave do processo. Esta validação foi
muito importante, já que algumas perguntas permaneciam se a máquina da D-Wave verdadeiramente realizava o quantum annealing. Enquanto descrições da
física quântica forneceram o melhor ajuste para métricas observadas
anteriormente, estudos indicam que os modelos clássicos demonstraram um comportamento semelhante. O novo trabalho do Google
et al., mostrou de forma inequívoca
que os mecanismos quânticos estavam trabalhando dentro das misteriosas caixas
da D-Wave.
Sangue novo!
A
parceria anunciada recentemente com a UCSB traz a bordo um dos maiores
especialistas do mundo em supercondutores, o físico John Martinis. Professor
Martinis ganhou o prêmio de Londres - um prêmio de investigação de ponta - para
aplicações de supercondutores na computação quântica. Sua especialidade está no
controle quântico - sistemas químicos que permitem manipulação de estados
quânticos - e processamento de informação quântica - projetar algoritmos
quânticos especializados (software) para analisar conjuntos de dados complexos.
O grupo do professor Martinis:
Austin Fowler, Rami Barends, Professor John Martinis e Julian Kelly
Hartmut
Neven, diretor de engenharia do Google relata:
Com um grupo
de hardware integrado, a equipe agora será capaz de implementar e testar novos
designs para otimização quântica e processadores de inferência baseados em recentes
conhecimentos teóricos, bem como em nosso aprendizado a partir da arquitetura quantum
annealing da D-Wave. Vamos continuar colaborando com os cientistas da D-Wave e
experimentar a máquina "Vesúvio" na NASA, que será atualizada para 1000
qubit do processador "Washington".
A D-Wave revelou no ano passado que a sua
concepção de qubit consiste de alças supercondutoras compostas de nióbio, com
uma camada isolante de óxido de alumínio na junção. Os loops supercondutores
são conhecidos como junções Josephson, em homenagem ao físico britânico Brian David Josephson que ganhou um prêmio Nobel de Física por descrever, em 1962, o
comportamento deste tipo de circuito.
Circuitos
supercondutores de nióbio e óxido de alumínio podem ser construídos em um substrato
de silício para projetos de eletrônica quântica. [Fonte da imagem: IEEE Spectrum]
A
fase e a carga do supercondutor utilizado são fundamentais para quanto tempo os
qubits podem ser mantidos e que níveis de emaranhamento podem ser alcançados
durante o quantum annealing. Nióbio é
o supercondutor líder usado nestas junções, que também são conhecidas como junções túnel (STJ). Não há substituto para o nióbio que é o supercondutor elementar de
mais alta temperatura crítica (9,26 K). Investigações sugerem que o tecnécio
sob alta pressão pode alcançar 11,2 K, porém mais trabalho precisa ser feito
para analisar a viabilidade da utilização de um material em uma STJ.
Nióbio elementar na
forma de liga é azul e é encontrado em depósitos cristalinos. [Fonte da
imagem: Wikimedia Commons]
Entretanto,
professor Martinis pode focar seus conhecimentos na otimização da geometria da
junção e nas técnicas de deposição para produzi-la de forma consistente e
acessível. Ele deve também trabalhar para produzir um tipo especial de geometria
na junção Josephson - uma junção em forma de cruz que ele chama de “XMON”. Em
abril, sua equipe publicou um artigo na Nature sobre ‘xmons’ de
qualidade perto de comerciais. Xmons
mostram emaranhamento superior a outras geometrias da junção, mas (como afirma
o artigo) está apenas começando a se aproximar da disponibilidade comercial.
Professor Martini
desenvolveu uma junção Josephson melhorada que tem uma geometria em forma de
cruz. Ele a chama de um qubit “XMON”. [Fonte da imagem: UCSB]
A
recompensa para o Google irá, em curto prazo, ser realizada por meio de
algoritmos de otimização de software que caçam pelas ineficiências em um código
base. Em longo prazo, o Google pode ser capaz de abaixar os preços desses
sistemas quânticos o suficiente para torná-los utilizáveis como um backend de busca
para o seu motor de imagens, proporcionando uma busca muito mais veloz e inteligente.