Por Flora
Balieiro e Tárcio Fabrício
Muitas
das descobertas sobre o misterioso mundo subatômico seriam inviáveis sem a
existência dos supercondutores
Foi Demócrito o primeiro a dizer
que os materiais eram constituídos de partículas minúsculas. A essas partículas
o filósofo deu o nome de átomos. O termo vem do grego e significa “aquilo que
não pode ser dividido em pedaços”, um termo bastante plausível para a ideia de
átomo que existia na época. Os conhecimentos sobre o átomo mudaram desde então
e, muito embora o termo cunhado por Demócrito não tenha caído em desuso, a
fissão nuclear mostrou que era possível dividir o que antes era indivisível.
Partículas ainda menores que os
prótons, nêutrons e elétrons foram descobertas e, a partir da década de 1950,
com a construção dos primeiros aceleradores de partículas, iniciou-se uma
corrida em busca das chamadas partículas elementares, sendo algumas delas de
difícil detecção e de existência extremamente efêmera – em alguns casos, menos
de um bilionésimo de segundo.
Genericamente falando,
aceleradores de partículas são equipamentos que fornecem energia a partículas
subatômicas eletricamente carregadas, fazendo com que elas atinjam altas
velocidades. Nesses aceleradores, as partículas são dispostas em feixes,
possibilitando que atinjam velocidades próximas à da luz! Esse tipo de
acelerador normalmente é usado para se conhecer melhor as partículas
subatômicas por meio de colisões entre elas.
Nemitala Added, do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP),
explica que os trabalhos na área de Física Nuclear, tanto básica quanto
aplicada, lidam com colisões nucleares para investigar a estrutura nuclear ou
para o desenvolvimento de estudos interdisciplinares. “Analogamente a um jogo
de bilhar, a colisão nuclear seria representada pelo choque entre as bolas e o
taco teria a função de dar energia (acelerar) a uma das bolas em direção à
outra”, ilustra o pesquisador.
Dentro dessa classe de
aceleradores, podemos distinguir dois tipos básicos: os aceleradores lineares e
os aceleradores circulares. Nos aceleradores lineares, as partículas percorrem
rotas retilíneas no vácuo – em extensos tubos de cobre – antes de colidirem com
o alvo, onde existem detectores específicos para registrar as partículas e a
radiação que são liberadas durante a colisão.
Os aceleradores lineares utilizam
eletroímãs para manter as partículas em um feixe estreito, já que, por terem
carga elétrica de mesma natureza, elas tendem a se repelir.
Seção retilínea do LHC: Duas
seções dessas são responsáveis por acelerar o feixe de partículas enquanto os
27 km curvos restantes servem somente para redirecionar o feixe (Foto Denis
Damazio).
Mas onde
é que entram os supercondutores nessa história? Bem, alguns tipos de acelerador
exigem a utilização de campos magnéticos fortíssimos para funcionar, o que
seria praticamente impossível de conseguir sem a utilização de bobinas
supercondutoras.
Um
exemplo desses aceleradores, do tipo Linac, está instalado no Instituto de
Física da Universidade de São Paulo. O Linac
é um tipo de acelerador linear que utiliza radiofrequência para transferir
energia ao feixe de partículas a ser estudado. “No Linac são utilizados
ressoadores supercondutores para otimizar a produção de campos elétricos com
valores acima de 5 ou 6 MV/m usando uma potência de radiofrequência baixa,
tipicamente da ordem de alguns Watts”, comenta Added. No laboratório da USP são
desenvolvidos diversos tipos de pesquisa, que vão desde o campo da Física
Nuclear até Física Ambiental e Biologia Nuclear.
“Na pesquisa básica usamos reações nucleares para
entender o processo de produção dos elementos disponíveis no Universo. Alguns
experimentos nos permitem simular a nucleossíntese de elementos, levando a um
melhor entendimento da evolução e surgimento do Universo. No campo da Física
aplicada, as áreas de interesse são diversas, indo desde a investigação de
elementos-traços em materiais até estudos relacionados a ambientes com muita
radiação, como o aeroespacial”,
acrescenta o pesquisador.
A
dinâmica de colisões relacionada ao surgimento e evolução do Universo também é
estudada nos laboratórios do CERN (Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear),
que comporta a maior máquina aceleradora de partículas que já foi construída: o
LHC.
Essa estrutura supercondutora de 27 km de extensão é um tipo de acelerador
circular. Nos aceleradores circulares, o princípio de funcionamento é
semelhante ao dos lineares, mas com a diferença de que o trajeto é curvo.
Nesses aceleradores, o grupo de partículas é lançado em um percurso cíclico,
sendo acelerado a cada volta antes de colidir.
O
LHC – sigla para Large Hadron Colidor – está instalado no subsolo a
quase 100 metros da superfície e possui dimensões equivalentes a cinco jatos
jumbo. Esse laboratório foi desenvolvido para recriar as condições que
existiram frações de segundo após a grande explosão (Big Bang) que originou o Universo. Durante o Big
Bang, diversas partículas foram criadas e, embora algumas delas ainda
persistam – tais como prótons, neutrons e elétrons –, muitas outras, mais
energéticas, já não existem em seu estado natural. Por meio da colisão
interpartículas é possível produzir traços que podem nos levar à origem do
Universo.
Outros
tipos de aceleradores não necessitam de supercondutores, como é o caso do
acelerador de luz síncrotron localizado no Laboratório Nacional de Luz
Síncrotron (LNLS), em Campinas. Nesse tipo de acelerador
as partículas utilizadas são os elétrons, que emitem radiação ao serem
acelerados. O LNLS, diferentemente do LHC e do Linac, estuda essa radiação
liberada, chamada luz síncrotron. Analisando o espectro emitido pelos elétrons,
os cientistas podem inferir características atômicas e moleculares dos
materiais estudados.
No
LHC, onde são necessárias colisões de alta energia, em vez de elétrons são
acelerados prótons – partículas duas mil vezes mais pesadas e que emitem menos
luz ao serem aceleradas. Essas colisões são capazes de gerar partículas mais
pesadas, as quais remetem àquelas criadas durante o surgimento do Universo.
Supercondutores
Fabiano Colauto, do Departamento de Física da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explica que, sob altas velocidades
em uma trajetória curva, as partículas sofrem a ação da força centrípeta. Para manter os prótons no anel de 27 km do
LHC, são usados campos magnéticos muito intensos (duzentas mil vezes o campo da
Terra) ao longo do caminho. Os campos magnéticos também fazem o papel de manter
o feixe de partículas coeso, pois como elas têm a mesma carga elétrica, sem a
atuação do campo elas se repeliriam.
Seção de um condutor em cobre -
maior diâmetro - ao lado de um cabo supercondutor: ambos
são capazes de suportar uma corrente de 13 mil Amperes necessárias à operação do
LHC (Foto Denis Damazio).
Denis Damazio,
pesquisador brasileiro que trabalha no ATLAS, um dos quatro detectores encontrados
no CERN, explica que para criar um campo forte o bastante é necessário aplicar
uma corrente elétrica muito intensa e, para isso, a utilização dos
supercondutores é imprescindível. “No LHC a corrente aplicada é da ordem de 13
mil amperes. Um material comum não resistiria ao calor gerado pela passagem
dessa corrente. Os prótons recebem campo elétrico em uma sessão retilínea
curta, onde são acelerados, para em seguida o campo magnético gerado pelo
supercondutor redirecionar as partícula. O que acontece é que o grupo de
partículas passa por essa sessão reta 11 mil vezes por segundo, sendo
aceleradas a cada volta. A grande vantagem dos materiais supercondutores é que
eles não oferecem resistência à corrente elétrica e, por isso, não estão
sujeitos ao superaquecimento.”
Os campos
magnéticos gerados pelo supercondutor no CERN não são utilizados somente para
permitir a colisão entre as partículas. No ATLAS, eles também permitem a
identificação de cargas. “Como produtos da colisão de prótons são geradas
diversas partículas. Uma delas, a partícula Z, logo após ser criada, emite um
elétron e um pósitron. Para distinguir essas duas
partículas emitidas são usados campos magnéticos gerados por supercondutores.
Assim, ao passarem pelo campo, as partículas positivas (pósitrons) irão
entortar sua trajetória para uma direção, enquanto as negativas (elétrons) irão
na direção oposta”, comenta o pesquisador do ATLAS. “Observando a inclinação
dessa trajetória, também é possível inferir a velocidade da partícula. Uma
partícula muito rápida irá descrever uma trajetória praticamente reta, enquanto
uma partícula mais lenta irá entortar sua trajetória”, acrescenta Damazio.
Painel mostrando a temperatura de um dos magnetos
supercondutores na bancada de testes (1.9 K ou -271 ºC) no CERN (Foto DenisDamazio).
Segundo o
pesquisador, o que encarece o uso de supercondutores é principalmente o custo
do próprio material, embora mantê-lo nas temperaturas necessárias à
supercondutividade também seja bastante caro. Os materiais utilizados nas
bobinas normalmente tornam-se supercondutores à temperatura do hélio líquido.
“Um litro de hélio, hoje, custa aproximadamente US$ 20. Existem formas de se
recuperar o hélio utilizado para resfriar o sistema, mas nesse processo sempre
existem perdas e, por isso, o material tem de ser reposto constantemente”,
explica Fabiano Colauto, da UFSCar. Ainda assim, o uso de supercondutores no
LHC foi a solução mais prática encontrada, tanto do ponto de vista técnico
quanto do econômico.
Colauto
esclarece que a escolha de bobinas supercondutoras em detrimento de bobinas
construídas com condutores comuns depende de vários fatores. “Bobinas
supercondutoras dependem de um sistema de resfriamento contínuo, mas são mais
leves e compactas que as comuns”, exemplifica. “Cada material supercondutor tem
suas próprias características; por isso, a escolha do material a ser utilizado
também é consequência de um balanço, que deve levar em conta a temperatura de
resfriamento, a corrente máxima (crítica) que ele suporta e o campo magnético
máximo.”
“No Linac, o material supercondutor escolhido para a região interna
dos ressoadores foi o Nióbio, o mesmo utilizado no ATLAS. O fato do Brasil ser
o maior produtor de Nióbio do mundo favoreceu a escolha”, conta o professor
Added, da USP.
Os cabos supercondutores do LHC são feitos de uma liga de
Nióbio e Titânio (NbTi), um material que é estruturalmente favorável às
necessidades mecânicas do acelerador e que mantém suas propriedades
supercondutoras mesmo com a passagem de altas correntes elétricas. “As ligas
metálicas são preferíveis aos materiais cerâmicos para a construção de bobinas
supercondutoras, pois são mais maleáveis, enquanto supercondutores cerâmicos
podem sofrer trincas com a constante variação de temperatura a que são
submetidas as bobinas. Além disso, os supercondutores metálicos possuem propriedades
diamagnéticas mais simples de serem estudadas e mais previsíveis que as encontradas
nos materiais cerâmicos”, explica Colauto. “Mas a intenção no futuro é que os
materiais cerâmicos substituam os materiais metálicos na construção de
dispositivos supercondutores, já que a temperatura crítica para manifestar
supercondutividade nos cerâmicos é mais alta. Assim, o nitrogênio líquido
(77 K) poderá ser utilizado no lugar do hélio líquido (4,2 K), que é muito mais
caro e de difícil obtenção”, conclui.
Por dentro do CERN
Diagrama do complexo de
aceleradores do CERN: A linha destacada em laranja, marcada para Gran
Sasso, foi responsável pela "descoberta" de neutrinos viajando acima
da velocidade da luz (Foto Denis Damazio).
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