O projeto brasileiro do MagLev, trem de
passageiros que funciona por meio da tecnologia de levitação magnética, envolve
importantes conceitos de física. Professor explica na CH os fenômenos que
permitem a esse veículo se mover sem tocar nos trilhos.
Por: Beto Pimentel
Publicado em 28/05/2015 | Atualizado em 28/05/2015
Cientistas holandeses já fizeram um sapo levitar
com o auxílio de um campo magnético gerado por uma espiral. (foto:
Cortesia Lijnis Nelemans/ High Field Magnet Lab/ Radboud University Nijmegen)
“Wingardium
leviosa”, o encanto da levitação, é uma das primeiras magias que os alunos de
Hogwarts aprendem a conjurar na famosa série de livros que narra as aventuras
do aprendiz de bruxo Harry Potter. Mas, no mundo dos ‘trouxas’ (o mundo real),
levitar requer um pouco mais de engenho: é preciso exercer alguma força de
baixo para cima naquilo que se quer fazer levitar, compensando a força da
gravidade.
Um
livro pousado sobre uma mesa está levitando: como ele não a atravessa nem sobe
em direção ao teto, seu peso, então, está sendo compensado por outra força, para
cima, de mesma intensidade, a qual denominamos ‘normal’.
Porém,
a real natureza da força ‘normal’ é a repulsão entre cargas elétricas de mesmo
sinal. Quando a atração gravitacional puxa o livro em direção à mesa, os
elétrons das camadas externas dos átomos da superfície do livro repelem e são
repelidos pelos elétrons das camadas mais superficiais da mesa. E é essa
repulsão simultânea de ‘zilhões’ de elétrons que constitui a força normal.
Assim, o livro efetivamente flutua sobre um ‘colchão’ de elétrons.
A
força elétrica cai com o quadrado da distância; por isso, tanto a repulsão
entre os prótons (positivos) do livro e aqueles da mesa quanto a atração entre
os prótons de um corpo e os elétrons do outro são insignificantes para compor a
força ‘normal’, pois essas cargas estão separadas por ‘grandes’ distâncias: em
média, um núcleo é 100 mil vezes menor que o átomo.
Além
da repulsão eletrostática entre os elétrons, entra em cena também o princípio
de exclusão de Pauli – homenagem ao físico austríaco Wolfgang Pauli
(1900-1958). Esse princípio da mecânica quântica (teoria que lida com os
fenômenos atômicos e subatômicos) proíbe que os elétrons do livro e os da mesa
ocupem o mesmo estado – dito de forma simples, impede que ocupem ‘o mesmo lugar
no espaço’ –, dando origem a outra força repulsiva de curto alcance entre os
elétrons.
Mas o
livro não levita ‘de verdade’, certo? De fato, não. Se assim fosse, nosso
cotidiano estaria repleto de levitação, até ao caminharmos pela rua! Trata-se
apenas do que chamamos forças ‘de contato’. Algo semelhante dá origem ao
atrito. Ao empurrarmos o livro para um lado, percebemos que é preciso fazer uma
força para vencer o atrito com que os elétrons da superfície microscopicamente
irregular da mesa tentam empurrá-lo de volta à posição original.
Levitação...
de verdade
Então, para fazer um corpo levitar de
verdade (sem aspas), precisaríamos elevá-lo a uma distância considerável – pelo
menos, alguns milímetros –, para ficarmos livres do atrito com a superfície.
Aí, sim, ao aplicarmos nele uma pequena força, ele se movimentaria sem atrito –
e a única limitação seria a resistência do ar, relevante só para grandes
velocidades.
Mas como obter aquela elevação?
Poderíamos, por exemplo, amplificar a repulsão eletrostática: se a carga
elétrica (de mesmo sinal) de dois corpos for suficientemente grande, a força de
repulsão entre eles faria um deles levitar sobre o outro.
Porém, qualquer contato acidental
poderia descarregar um dos corpos, diminuindo ou eliminando a força e, assim,
interrompendo a levitação. Além disso, para valores muito altos de carga, o
próprio ar passaria a conduzir eletricidade, e surgiriam pequenas (ou grandes!)
centelhas, que drenariam a carga dos corpos eletrizados, cessando o efeito.
Um modo mais seguro de obter o mesmo resultado
seria usar, em vez da força elétrica, a força magnética. Nos ímãs, polos de
mesma natureza se repelem, e polos opostos se atraem. E, se a intensidade dessa
repulsão for grande, um ímã pode fazer o outro levitar.
Há, claro, um problema de estabilidade:
qualquer pequeno desvio do alinhamento entre os dois ímãs destruiria o
equilíbrio. Mas isso pode ser resolvido com arranjos estáveis de vários ímãs,
como comprovam os vários trens de levitação magnética atualmente em operação no
mundo, inclusive no Brasil.
De fato, nem seria necessário usar
dois ímãs. Bastaria um ímã e, por exemplo, um bloco de material ferromagnético,
pois o campo magnético do ímã magnetizaria o material, transformando-o em um
segundo ímã (figura 1). O problema, nesse caso, é que a força entre ambos seria
atrativa. Portanto, para que houvesse levitação, o material ferromagnético
teria que estar por baixo do ímã, em vez de por cima.
Um material ferromagnético, na presença de um
campo magnético (no caso, induzido por um eletroímã), transforma-se em um ímã
temporário. (ilustração: Luiz Baltar)
Materiais
diamagnéticos – que são repelidos por campos magnéticos – também poderiam ser
alinhados para produzir a levitação, pois a magnetização os transformaria em um
‘ímã invertido’, levando à repulsão magnética. Porém, em geral, isso requer
campos magnéticos muito intensos.
Eletroímãs e
supercondutores
Os chamados eletroímãs também permitem
gerar levitação. Quando um fio condutor é percorrido por uma corrente elétrica,
ele cria em torno de si um campo magnético. Se o fio for enrolado, formando uma
ou mais espiras, as linhas do campo magnético se assemelham às de um ímã
permanente – daí, o termo eletroímã. Dependendo do sentido em que a corrente
percorre a espiral, o polo norte é produzido em um ou em outro lado da espiral
(figura 2).
Dependendo do sentido da corrente elétrica, o polo
norte é produzido num ou noutro lado da espiral. (ilustração: Luiz Baltar)
Usando
esse efeito, cientistas holandeses já fizeram levitar um sapo e outros bichos
pequenos, pois a água do corpo dos animais é formada por moléculas polares, que
apresentam comportamento diamagnético. Mas, para isso, é preciso campos
magnéticos imensos, ou seja, correntes elétricas muito altas percorrendo as
espirais.
O uso
de materiais supercondutores – que se comportam como diamagnéticos ideais –
possibilita a levitação com campos magnéticos comparativamente baixos. O
problema, no entanto, é manter o supercondutor a temperaturas muitíssimo baixas
(cerca de -200°C!).
Uma
coisa é fazer levitar. Outra, porém, é mover o trem. A solução engenhosa para o
problema é o motor de indução linear. A ideia básica consiste em manipular o
sentido da corrente elétrica dos eletroímãs colocados ao longo dos trilhos.
Cada um desses eletroímãs ora atrai um ímã preso ao trem – quando o ímã se
aproxima dele –, ora o repele – quando o ímã acaba de passar por ele. Desse
modo, o trem é continuamente impelido para a frente.
É, sem
dúvida, uma sincronia complexa, mas é só uma questão de manipular
convenientemente as correntes nos eletroímãs. Esse tipo de arranjo – usado, por
exemplo, para puxar para cima os carrinhos de montanhas-russas modernas –
permite controlar a corrente nos eletroímãs, para atingir não só forças de
tração intensas, mas também grandes acelerações. A Nasa (agência espacial dos
EUA) já está testando um foguete cujo primeiro estágio seria substituído por um
sistema semelhante, barateando o lançamento de grandes cargas para o espaço.
Beto Pimentel
Colégio de Aplicação
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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