Figura 1: Nas válvulas
supercondutoras de spin projetadas por Aarts
e colaboradores, o alinhamento relativo dos dois ferromagnets
(CrO2, em roxo; Ni, em laranja) determina
a temperatura de transição (TC)
de uma camada supercondutora (MoGe, em cinza). (Superior)
Quando as magnetizações são paralelas (ou antiparalelas),
apenas pares de elétrons com spins
antiparalelos ("pares singletos") podem vazar para a camada de Ni, e
estes pares não podem entrar no CrO2 porque este material é totalmente spin
polarizado. (Inferior) Quando as magnetizações estão desalinhadas, pares singletos podem se transformar em pares tripletos de spin
iguais, que podem, por sua vez, vazar no CrO2. Esta fuga adicional suprime a supercondutividade
ainda mais, e reduz a TC. A supressão
é maior quando o ângulo de desalinhamento é 90∘.
Uma nova escolha de materiais
leva a mais válvulas supercondutoras de spin úteis
O componente chave de memórias magnéticas e sensores
é um dispositivo chamado válvula de spin, cuja resistência elétrica depende do
alinhamento relativo das magnetizações de dois elementos ferromagnéticos finos.
Os pesquisadores estão interessados em
desenvolver análogos supercondutores da válvula de spin para usar em
tecnologias de "memória" criogênica que consomem pouca energia e
dissipam pouco calor. Nesse caso, alterar o alinhamento relativo dos dois
ferromagnetos desloca a temperatura de transição (TC) de uma fina
camada supercondutora adjacente, um efeito que pode ser usado para ligar o
estado supercondutor (ou desligar) e reduzir (ou aumentar) a resistência total do
dispositivo. Porém, até agora, os deslocamentos da TC observados nos
ensaios são muito pequenos para o uso prático. Jan
Aarts e seus colegas da Universidade
de Leiden, na Holanda, demonstram válvulas supercondutoras de spin com alterações
da TC por quase 1K [1], uma ordem de magnitude maior em comparação
com os regimes anteriores.
Nos metais
ferromagnéticos, um exchange no campo
interno gera um desequilíbrio no número de elétrons com spin "up" e
"down". Uma corrente elétrica que passa através de um ferromagneto
irá, por conseguinte, transportar uma corrente de spin, em adição à carga, com
a maioria dos spins apontando paralelo à magnetização e a minoria apontando
antiparalelo. Tais correntes spin-polarizadas são utilizadas em aplicações de
lógica e de sensores. Encontrar maneiras eficientes e práticas para gerar e
controlar tais correntes é um dos principais objetivos da spintrônica.
O dispositivo mais
famoso da spintrônica é a válvula de spin. Na sua forma mais simples, a válvula
de spin é uma multicamada ferromagnética/normal/ ferromagnética (F/N/F). Menor dispersão
de spin ocorre quando as duas camadas F são paralelas do que quando são
antiparalelas, pois a configuração paralela tem menor resistência. Este efeito
"magnetorresistência gigante" (GMR) foi reconhecido com o PrêmioNobel de Física em 2007 e é a base das cabeças de leitura em discos rígidos
magnéticos.
Mesmo antes à
descoberta da GMR, Pierre de Gennes [2] - e mais tarde outros teóricos [3,4,5]
-propuseram a válvula de spin supercondutora. Essa estrutura em camadas é constituída
por uma fina camada supercondutora (S) entre dois ferromagnéticos (F/S/F) [2,3,4]
ou uma camada supercondutora empilhada em cima de dois ferromagnéticos (M/M/S)
[5]. Ainda que os portadores de carga dos supercondutores sejam pares de elétrons
com spin opostos e não transportem uma corrente de spin, a TC do
supercondutor numa válvula de spin pode depender do alinhamento da magnetização
das camadas ferromagnéticas. Isto resulta do chamado efeito de proximidade
supercondutor, que envolve a fuga de elétrons emparelhados da camada S nas
camadas vizinhas F, suprimindo a supercondutividade que ocorre a uma TC
inferior.
Em 2002, Gu et al. demonstraram este efeito da
válvula de spin supercondutora utilizando dispositivos F/S/F [6], mas a
diferença medida na TC (ΔTC) entre a configuração com as camadas
F paralelo e antiparalela foi inferior a 10 millikelvin (mK), que é comparável à
largura da transição e muito pequeno para interruptores supercondutores
práticos. A teoria quaseclássica prevê valores maiores de ΔTC que
pode ser uma fração significativa de TC. Apesar da extensa pesquisa
experimental sobre a válvula de spin supercondutora, os pesquisadores ainda têm
de atingir valores de ΔTC/TC que são grandes o suficiente
para aplicações práticas.
Em seus dispositivos
(Fig.1), Aarts e seus colegas tiram proveito de um determinado tipo de efeito
de proximidade supercondutor que envolve a conversão de pares singletos para pares
tripletos com spins paralelos (pares tripletos de igual-spin). A conversão ocorre
quando os elétrons emparelhados em um supercondutor encontram uma interface com
um campo magnético não homogêneo [7,8]. Ao encontrar um exchange de campo ferromagnético, pares singletos ganham momentum
(mistura de spin), o que resulta na criação de tripletos de spin zero, ou seja,
projeção de pares com spin zero ao longo do eixo de magnetização. Ao contrário
dos pares singletos, tripletos de spin zero podem existir em diferentes formas
com sua projeção de spin dependendo da orientação dos eixos de
magnetização-quantização. E, se os pares de tripleto de spin zero encontram uma
segunda camada ferromagnética que está desalinhada com a camada ferromagnética
onde foram formados, os diferentes componentes do tripleto podem transformar
uma na outra. Este processo de rotação de spin favorece a geração de pares
tripletos de igual-spin e aumenta o efeito de proximidade que suprime supercondutividade
e reduz a TC. Em 2010, os teóricos propuseram que o efeito pode ser
utilizado para manipular um efeito de válvulas de spin em estruturas de F/F/S
[9]. Com as duas camadas F desalinhados por 90∘,
a magnetização seria maximamente inomogênea, fazendo
a TC declinar drasticamente em relação ao seu valor quando as camadas
F forem alinhadas paralela ou antiparalelamente.
Embora esse
comportamento tenha sido observado experimentalmente em dispositivos F/F/S
usando ferromagnéticos metálicos [10,11], a maior supressão relatada da TC
foi apenas cerca de 120 mK [11]. Aarts e seus colegas conseguiram uma supressão
muito maior devido a uma escolha inteligente do material para uma das camadas
F. Seus dispositivos consistem em camadas CrO2/Cu/Ni/MoGe (Fig.1),
onde o CrO2 e o Ni são camadas ferromagnéticas ‘sanduichadas’ por um
espaçador não magnético (Cu), e o MoGe é um supercondutor com uma TC
de 6 K. Ao contrário dos ferromagnéticos metálicos, que são apenas parcialmente
spin-polarizados, o CrO2 é um ferromagnético meio-metálico cujos
elétrons na energia de Fermi são 100% spin-polarizados. Isto significa que os
processos de espalhamento que "viram" o spin de um elétron não
ocorrem no CrO2. Como resultado, os pares tripletos spin-polarizados
podem viajar muito além da camada supercondutora que é possível em ferromagnéticos
metálicos. Isso aumenta o efeito supercondutor de proximidade e leva a
diferenças maiores na TC entre os estados ferromagnéticos alinhados
e desalinhados. Usando um campo magnético para girar a camada ferromagnética do
Ni, os pesquisadores foram capazes de mudar a TC por 1 K.
A descoberta de que ferromagnéticos
meio-metálicos são o segredo para uma grande supressão na TC é uma
excelente oportunidade para o desenvolvimento de interruptores supercondutores
controlados por magnetização. Isto porque a TC varia ao longo de uma
vasta gama de temperaturas, o que significa que o estado de resistência do
dispositivo é altamente estável a mudanças de temperatura. Válvulas de spin tripletos
supercondutoras podem realizar funções lógicas quase equivalentes a
dispositivos GMR (embora a temperaturas mais baixas), mas potencialmente com
uma eficiência muito maior de dissipação de energia que é minimizada pela
presença da supercondutividade. Os resultados de Aarts e colegas, portanto,
motivam o estudo de dispositivos mais complexos que combinam o não equilíbrio do
transporte de spin e da coerência de fase supercondutora. Tais dispositivos
poderiam ser utilizados para controlar o estado magnético de válvulas de spin supercondutoras,
e potencialmente o fluxo de calor, mas eletricamente, em vez de com os campos magnéticos.
Referências
1.
A. Singh, S. Voltan, K.
Lahabi, and J. Aarts, “Colossal Proximity Effect in a Superconducting Triplet
Spin Valve Based on the Half-Metallic Ferromagnet CrO2,” Phys. Rev. X 5, 021019 (2015)
2.
P. G. De Gennes, “Coupling
between Ferromagnets through a Superconducting Layer,” Phys. Lett. 23, 10 (1966)
3.
L. R. Tagirov, “Low-Field
Superconducting Spin Switch Based on a Superconductor/Ferromagnet Multilayer,” Phys. Rev. Lett. 83, 2058 (1999)
4.
A. I. Buzdin, A. V. Vedyayev,
and N. V. Ryzhanova, “Spin-Orientation-Dependent Superconductivity in F/S/F
Structures,” Eur. Phys. Lett. 48, 686 (1999)
5.
S. Oh, D. Youm, and M. R.
Beasley, “A Superconductive Magnetoresistive Memory Element Using Controlled
Exchange Interaction,” Appl. Phys. Lett. 71, 2376 (1997)
6.
J. Y. Gu, C.-Y. You, J. S.
Jiang, J. Pearson, Ya. B. Bazaliy, and S. D. Bader, “Magnetization-Orientation
Dependence of the Superconducting Transition Temperature in the Ferromagnet-Superconductor-Ferromagnet
System: CuNi/Nb/CuNi,” Phys. Rev. Lett. 89, 267001
(2002)
7.
F. S. Bergeret, A. F. Volkov,
and K. B. Efetov, “Long-Range Proximity Effects in Superconductor-Ferromagnet Structures,”
Phys. Rev. Lett. 86, 4096 (2001)
9. Ya. V. Fominov, A. A. Golubov, T. Yu. Karminskaya, M. Yu. Kupriyanov, R.
G. Deminov, and L. R. Tagirov, “Superconducting Triplet Spin Valve,” JETP Lett. 91, 308 (2010)
10.
P.V. Leksin, N.N.
Garif’yanov, I. A. Garifullin, Ya. V. Fominov, J. Schumann, Y. Krupskaya, V.
Kataev, O. G. Schmidt, and B. Büchner, “Evidence for Triplet Superconductivity
in a Superconductor-Ferromagnet Spin Valve,” Phys. Rev. Lett. 109, 057005
(2012)
11.
X. L. Wang, A. Di Bernardo,
N. Banerjee, A. Wells, F. S. Bergeret, M. G. Blamire, and J. W. A. Robinson,
“Giant Triplet Proximity Effect in Superconducting Pseudo Spin Valves with
Engineered Anisotropy,” Phys. Rev. B 89, 140508 (2014)
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