Em 1938, Ettore Majorana, um físico italiano de 31 anos, desapareceu sem
deixar vestígios. Seu orientador, Enrico Fermi, que naquele mesmo ano ganhou o
prêmio Nobel de Física, o comparou ao inglês Isaac Newton (1643-1727),
posicionando-o vários degraus acima dos maiores expoentes de uma época fértil
em gênios científicos. As habilidades matemáticas de Majorana eram prodigiosas.
Costumava esboçar proposições teóricas sofisticadas em maços de cigarro,
que, depois, amassava e jogava fora, classificando aqueles escritos como
pueris. Em março de 1932, propôs, alguns meses antes do alemão Werner
Heisenberg (1901-1976), um modelo do núcleo atômico como constituído por
prótons e nêutrons. Mas, apesar da insistência de Fermi, recusou-se a publicar
qualquer artigo a respeito.
Quando desapareceu, suspeitou-se de que havia sido sequestrado pelo
regime fascista de Benito Mussolini, porque sabia demais. Depois, verificou-se
que planejara meticulosamente a desaparição.
Outras hipóteses foram apresentadas: fugiu porque, sabendo do
potencial destrutivo da energia nuclear, não queria ser obrigado a trabalhar
para os fascistas na produção da bomba atômica; fugiu porque, movido por uma
intensa aspiração mística, decidiu isolar-se em um mosteiro ou transformar-se
em andarilho. Há suspeitas de que tenha se refugiado na Argentina, passando a
ganhar a vida como engenheiro. Mas não existe prova conclusiva sobre quaisquer
dessas suposições.
Dos poucos trabalhos que publicou, o mais famoso foi Teoria simmetrica dell’elettrone e del positrone (Teoria
simétrica do elétron e do pósitron), datado de 1937. Nele, apresentou a
hipótese de uma partícula que teria a si mesma como antipartícula. A existência
do neutrino acabara de ser postulada por Fermi e Wolfgang Pauli, e Majorana
sugeriu que o neutrino poderia ser essa partícula.
Genericamente, essa partícula hipotética, que é sua própria
antipartícula, recebe o nome de férmion de Majorana. Oito décadas depois de sua
proposição, o férmion de Majorana continua a suscitar forte interesse na
comunidade dos físicos. As pesquisas atuais em relação a ele enfocam não apenas
o neutrino, mas também quase-partículas constituídas por excitações em supercondutores.
“No contexto da matéria condensada [em
que o número de constituintes do sistema (átomos, elétrons etc.) é extremamente
elevado, produzindo interações muito intensas entre eles], os férmions de
Majorana poderiam se manifestar não como partículas reais, a exemplo dos
prótons ou dos elétrons, mas como quase-partículas, ou partículas aparentes,
que descrevem o estado do supercondutor”, disse o físico Antonio Carlos Ferreira Seridonio,
professor do Departamento de Física e Química da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), no campus de Ilha Solteira (SP), à Agência FAPESP.
Um sistema considerado forte candidato a exibir os
férmions de Majorana enquanto quase-partículas é o chamado “fio de Kitaev”.
[Imagem: Dessotti et al. - 10.1063/1.4898776]
Seridonio é coautor do artigo “Probing the antisymmetric Fano interference assisted by a
Majorana fermion”, recentemente publicado como matéria de capa pelo
periódico Journal of Applied Physics.
O artigo propõe um modelo experimental para a obtenção do férmion de
Majorana. Tal modelo foi concebido por um grupo de pesquisadores e pós-graduandos
da Unesp em Ilha Solteira e em Rio Claro e da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), liderados por Seridonio, Valdeci Mariano de Souza (Unesp-Rio
Claro) e Fabrício Macedo de Souza (UFU).
O primeiro autor do artigo, Fernando Augusto Dessotti, é doutorando sob
a orientação de Seridonio. E o segundo, o mestrando Luciano Henrique Siliano
Ricco, tem o apoio da FAPESP em pesquisa que trata do tema da matéria
publicada.
Um sistema considerado forte candidato a exibir os férmions de Majorana
enquanto quase-partículas é o chamado “fio de
Kitaev”, proposto pelo físico russo Alexei Kitaev (nascido em 1963),
atualmente professor do California Institute of Technology (Caltech), nos
Estados Unidos.
“Em 2001, trabalhando na Microsoft,
Kitaev dedicou-se ao objetivo de encontrar uma unidade básica para a computação
quântica [o qubit ou bit quântico], que fosse capaz de resistir a perturbações
externas do meio, possibilitando assim a construção do computador quântico. O
modelo apresentado por ele consistiu em um fio finito supercondutor. Quando tal
fio se encontra em uma condição específica, chamada de fase topológica, seria
possível isolar um majorana em cada uma de suas pontas. E esse par de
quase-partículas comporia o bit quântico”, relatou Seridonio.
O artigo publicado por Seridonio e seu grupo no Journal of Applied Physics descreve uma via experimental para a detecção dessas
quase-partículas. “Os componentes do aparato experimental que propomos já foram produzidos
experimentalmente. Falta integrá-los. Acreditamos que é uma questão de tempo
para que isso ocorra. E o nosso trabalho aponta um caminho para isso”,
afirmou.
O aparato utiliza um interferômetro de elétrons (empregado no estudo do
comportamento ondulatório dos elétrons) semelhante ao interferômetro de
Bohm-Aharonov [idealizado no final de década de 1950 pelo físico
norte-americano naturalizado brasileiro David Bohm (1917–1992) e pelo físico
israelense Yakir Aharonov (1932), então seu orientando].
“Nossa ideia foi acoplar esse
interferômetro a um fio de Kitaev na fase topológica. O transporte de elétrons
no interferômetro ficaria afetado pelos majoranas presentes nas pontas do fio
de Kitaev. E, por meio da alteração produzida nos espectros das ondas
eletrônicas, seria possível caracterizar os majoranas”, explicou Seridonio.
“Para o futuro, utilizaremos o
interferômetro proposto para explorar uma outra classe de majoranas, os que
geram uma corrente de quase-partículas nas bordas de um supercondutor”, acrescentou o pesquisador.
O artigo Probing the antisymmetric Fano interference assisted by a
Majorana férmion (doi: 10.1063/1.4898776), de F.A. Dessotti e colaboradores, pode
ser lido em http://scitation.aip.org/content/aip/journal/jap/116/17/10.1063/1.4898776
.
Agência FAPESP
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