Com informações da Agência
Fapesp - 25/06/2018
Além de cabos supercondutores para
transmissão de energia, há grande expectativa
sobre os chips supercondutores.[Imagem: Sander Münster, Kunstkosmos]
Temperaturas dos
supercondutores
Descoberto acidentalmente há mais de um século, o fenômeno da
supercondutividade continua a prometer uma revolução tecnológica.
Foi em 1911, ao estudar o comportamento do metal mercúrio quando
resfriado à temperatura de 4 K (-269 °C), que o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926) observou, pela
primeira vez, a propriedade que alguns materiais possuem de conduzir a corrente
elétrica sem resistência nem perdas, nas vizinhanças do zero absoluto.
Na década de 1980, o interesse pelo assunto se renovou quando se obteve
experimentalmente a supercondutividade em temperaturas relativamente mais altas, da
ordem de 90 K (-183 °C). Esse número tem sido superado de forma consistente: Em
2015, uma equipe alemã apresentou um supercondutor "quente" que trabalha a -70 °C.
Transição de Mott
Mas o que realmente motiva esse campo de pesquisas é a busca pela
realização da supercondutividade a temperatura ambiente.
É nesse contexto que se insere um estudo realizado por físicos da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP), em colaboração com a
Universidade Paris Sul, na França.
Em diversos materiais, a fase supercondutora se manifesta na proximidade
da chamada 'fase isolante de Mott' [Nevill Francis Mott (1905-1996)]. A transição
metal-isolante de Mott é uma mudança abrupta na condutividade elétrica que
ocorre a uma dada temperatura quando a repulsão de Coulomb entre os elétrons se torna comparável à
energia cinética dos elétrons livres.
"Quando a repulsão de
Coulomb passa a ser relevante, os elétrons, antes itinerantes, se tornam
localizados, minimizando assim a energia total do sistema. Essa localização
eletrônica constitui a 'fase isolante de Mott'. Em alguns casos, um processo
ainda mais exótico acontece. Devido às interações entre elétrons ocupando
sítios vizinhos da rede, os elétrons se rearranjam na rede de maneira não
homogênea. Ocorre, então, a chamada 'fase de ordenamento de carga'. Nosso
estudo tratou desse tipo de fenômeno," explicou o professor Valdeci
Pereira de Souza, coordenador da pesquisa.
Quando ocorre a fase de ordenamento de carga, a distribuição não
homogênea das cargas, por vezes acompanhada de uma distorção da rede
cristalina, faz com que o material passe a exibir uma polarização elétrica e,
consequentemente, um comportamento ferroelétrico. É a chamada "fase
ferroelétrica de Mott-Hubbard" [John Hubbard (1931-1980)].
Sais de Fabre
Para explorar experimentalmente essas fases exóticas, os pesquisadores
da Unesp trabalharam com os chamados "sais de Fabre", materiais
formados a partir de uma molécula orgânica, a TMTTF
(tetrametiltetrathiafulvaleno), que apresenta uma configuração simétrica, com
uma ligação dupla de carbono no centro e dois radicais metil de cada lado. O
material foi estudado em um criostato, que permite alcançar um ponto frio e
magnético, com temperatura de 1,4 Kelvin e campo de 12 Teslas.
"Com tal ferramenta
experimental, nos propusemos não apenas a caracterizar materiais, embora isso
seja importante, mas a investigar propriedades fundamentais da matéria, que se
manifestam em condições extremas. Os sais de Fabre apresentam diagramas de fase
extremamente ricos para quem empreende esse tipo de pesquisa. Os referidos
sistemas moleculares já haviam sido explorados por meio de ressonância
magnética nuclear, espectroscopia de infravermelho e outras técnicas. O que
fizemos essencialmente foi medir sua constante dielétrica no regime de baixas
frequências," disse
Mariano.
Vale lembrar que a constante dielétrica varia de material para material
e, embora seja uma grandeza macroscópica, nos diz quão polarizável um material
pode ser.
“Tendo em vista que os sais de
Fabre são materiais altamente anisotrópicos, ou seja, com propriedades de
transporte que dependem expressivamente da direção cristalográfica, quando o
ordenamento de carga ocorre, temos a polarização elétrica de Mott-Hubbard ao
longo da pilha de moléculas [TMTTF] que formam o material. Tal polarização é
expressiva e já havia sido reportada na literatura em 2001. Em nosso novo
trabalho, medimos pela primeira vez a contribuição iônica para a constante
dielétrica nestes materiais. Verificamos que, à medida que se reduz a
temperatura, a contribuição iônica também diminui dando lugar à fase de
Mott-Hubbard. Esta foi uma observação nova, sem registro na literatura
científica, uma contribuição genuinamente nossa,” finalizou Mariano.
Bibliografia:
Probing the ionic dielectric constant contribution in the ferroelectric phase of the Fabre salts. Mariano de Souza, Lucas Squillante, Cesar Sônego, Paulo Menegasso, Pascale Foury-Leylekian, Jean-Paul Pouget. Physical Review B.
Probing the ionic dielectric constant contribution in the ferroelectric phase of the Fabre salts. Mariano de Souza, Lucas Squillante, Cesar Sônego, Paulo Menegasso, Pascale Foury-Leylekian, Jean-Paul Pouget. Physical Review B.
DOI:
10.1103/PhysRevB.97.045122
https://arxiv.org/pdf/1801.00626.pdf
https://arxiv.org/pdf/1801.00626.pdf