Eva Zurek , Departamento de Química, Universidade
de Buffalo, SUNY, Buffalo NY, EUA
Dois estudos independentes relatam a supercondutividade
a temperaturas recordes em materiais ricos em hidrogênio sob extrema pressão.
Figura 1. Esquema (à esquerda) da bigorna de
diamante usada para estudar o comportamento do LaH10 sob alta
pressão. (Direita) Esboço da estrutura cristalina em forma do LaH10 responsável
pela supercondutividade de alta temperatura observada por Hemley[2] e Eremets[3].
(Esquerda) APS/Alan Stonebraker;
(Direita) E. Zurek, adaptado por APS/Alan Stonebraker.
Em 2015,
a compressão do sulfeto de hidrogênio a 150GPa, ou cerca de 40% da pressão
encontrada no núcleo da Terra, rendeu um supercondutor de 203K [1].
Notavelmente, dois grupos independentes [2,3] relataram experimentos indicando
que um hidreto de lantânio comprimido a 170-185GPa tem uma temperatura crítica
de 250-260K [2,3].
Em 1968,
o físico Neil Ashcroft
previu que o hidrogênio metálico deveria ter todas as propriedades necessárias
para ser um supercondutor de alta temperatura, de acordo com a teoria de
Bardeen-Cooper-Schrieffer (BCS) [4]. Infelizmente, a metalização do hidrogênio
em experimentos de compressão mostrou-se extremamente difícil. Ashcroft previu ainda que certos sólidos ricos em
hidrogênio poderiam se tornar metálicos a pressões mais baixas do que o
hidrogênio elementar e que eles teriam as mesmas propriedades da supercondutividade
de alta temperatura [5]. Essa hipótese catalisou a busca pela supercondutividade
em hidretos sob altas pressões.
Para
estudar a supercondutividade nesses materiais sob gigantescas pressões, os
pesquisadores precisam realizar experimentos em bigornas de diamante. Esses
experimentos são caros, tecnicamente desafiadores e podem ser difíceis de
interpretar. Além disso, as fases do material que são estáveis sob alta pressão podem ser diferentes daquelas que sabemos
ocorrer em condições atmosféricas. Como resultado, os cálculos baseados em mecânica quântica
tornaram-se extremamente importantes para orientar esses experimentos, em
particular por meio da identificação de compostos promissores [6].
Na
última década, essas técnicas teóricas e computacionais se concentraram em
hidretos binários. Pesquisadores calcularam valores extremamente altos, alguns
até superando a temperatura ambiente para hidretos contendo metais
alcalino-terrosos ou metais de terras raras [7]. Em 2017, grupos liderados por
Hemley [8] e Yanming Ma [9] previram que certos hidretos de terras raras com
uma grande relação hidrogênio-metal se tornariam estáveis a pressões alcançáveis em
bigornas de diamante. Esses materiais ricos em
hidrogênio têm estruturas cristalinas que lembram as estruturas semelhantes a
gaiolas. Um dos hidretos mais promissores, o hidreto de lantânio (LaH10),
consiste de uma rede de hidrogênio feita de poliedros com faces quadradas ou
hexagonais, com um átomo de metal de terras raras situado no centro de cada
poliedro. Assumindo que este sistema pode ser descrito pela teoria BCS, os
pesquisadores previram a sua temperatura crítica situada entre 270 e 290K a 200GPa [8,9].
No
início de 2018, o grupo de Hemley conseguiu sintetizar o LaH10 [10].
Agora, as equipes de Hemley [2] e Eremet [3] relataram assinaturas
experimentais da supercondutividade no LaH10 sob pressões extremas.
Para medir com precisão a resistência elétrica, os grupos tiveram que garantir
contatos confiáveis entre a
amostra e os eletrodos e controlar as composições e condições da amostra (por
exemplo, impedindo a formação de fases adicionais). O grupo de Hemley
desenvolveu uma nova técnica de síntese
na qual o LaH10 foi produzido in
situ usando borano de amônia (NH3BH3) como fonte de
hidrogênio. À medida que a amostra foi resfriada sob uma pressão de 185GPa,
eles observaram uma queda dramática da resistência elétrica que indicou uma Tc de 260K.
Um segundo conjunto de experimentos sugeriu que a Tc poderia chegar a 280K sob pressão de 200GPa. Medições de difração de raios-X sugeriram que a fase supercondutora
poderia ser o LaH10 e descartou a possibilidade de que a queda de
resistência elétrica tenha sido causada por uma transição estrutural induzida pela
temperatura.
A equipe
de Eremets sintetizou o hidreto através de uma reação direta de lantânio elementar
ou trihidreto de lantânio (LaH3) e hidrogênio. Eles observaram
quedas acentuadas na resistência, da qual derivaram a Tc em função da pressão.
Para o LaH10, o mais alto valor da Tc, 250K, foi medido a 170GPa.
Outra fase não identificada do hidreto, que coexistiu com o LaH10 na
mesma amostra, exibiu uma Tc de 215K [11]. A equipe de Eremets também observou
duas assinaturas características da supercondutividade. Primeiro, a aplicação
de um campo magnético reduziu a Tc, como esperado para um supercondutor BCS tipo II. Segundo, a Tc exibiu o chamado efeito isotópico - diminuiu quando o
hidrogênio foi substituído por deutério.
Esses
dados são fortemente sugestivos de supercondutividade, mas para provar isso sem
sombra de dúvida, seria necessário observar o efeito Meissner - a expulsão de
um campo magnético de um material quando ele se torna supercondutor. Medir este
efeito é, no entanto, um desafio: para o recordista anterior da Tc, o sulfeto de hidrogênio, o efeito Meissner só foi demonstrado vários anos após a descoberta de sua supercondutividade. Uma vez que as amostras de hidreto de lantânio são
significativamente menores do que as amostras do sulfeto de hidrogênio, demonstrar
o efeito Meissner para o LaH10 exigirá esforços experimentais
substanciais.
Mais
trabalhos teóricos e experimentais serão necessários para identificar as
múltiplas redes cristalinas contidas nas amostras. Os dados sugerem fortemente
que uma delas é o LaH10, mas a identidade das outras estruturas
permanece desconhecida. Esta informação será essencial para compreender a
relação entre a estrutura do cristal e a supercondutividade e, possivelmente, revelar novas fases supercondutoras que possam ter uma Tc ainda maior. E o
alto valor da Tc do LaH10 certamente motivará os experimentalistas a
investigar sistemas similares, como o hidreto de ítrio, cuja previsão da Tc
excede a temperatura ambiente [8,9].
No campo
da supercondutividade, a maioria das inovações foi inesperada, desafiando
muitas vezes o conhecimento convencional da época. O caso do hidreto mostra que
isso está mudando: cálculos teóricos podem ser usados para conceber
racionalmente novos materiais que sejam de alta Tc, supercondutores do tipo
BCS. Os avanços computacionais permitirão identificar outras espécies complexas
que, ao contrário dos hidretos binários, como o LaH10, pode
permanecer estável quando descomprimido. E novas técnicas para a síntese e
caracterização de cristais permitirão o teste experimental de previsões
teóricas. Graças a esse ciclo de retroalimentação entre teoria e experimento,
poderemos em breve ter um supercondutor que trabalhe próximo à temperatura
ambiente e a pressões que poderiam ser alcançadas em dispositivos muito mais
simples que as bigornas de diamante, como as prensas usadas para comprimir pós
em comprimidos farmacêuticos.
Referências
1. A. P. Drozdov, M. I. Eremets, I. A. Troyan, V.
Ksenofontov, and S. I. Shylin, “Conventional superconductivity at 203 kelvin at
high pressures in the sulfur hydride system,” Nature 525, 73 (2015).
2. M. Somayazulu, M. Ahart, A. K. Mishra, Z. M.
Geballe, M. Baldini, Y. Meng, V. V. Struzhkin, and R. J. Hemley, “Evidence for
superconductivity above 260 K in lanthanum superhydride at megabar pressures,”
Phys. Rev. Lett. 122, 027001 (2019).
3. A. P. Drozdov et al., “Superconductivity at 250
K in lanthanum hydride under high pressures,” arXiv:1812.01561.
4. N. W. Ashcroft, “Metallic hydrogen: A
high-temperature superconductor?,” Phys. Rev. Lett. 21, 1748 (1968).
5. N. W. Ashcroft, “Hydrogen dominant metallic
alloys: High temperature superconductors?,” Phys. Rev. Lett. 92, 187002 (2004).
6. E. Zurek and W. Grochala, “Predicting crystal
structures and properties of matter under extreme conditions via quantum
mechanics: The pressure is on,” Phys. Chem. Chem. Phys. 17, 2917 (2015).
7. E. Zurek and T. Bi, “High-temperature
superconductivity in alkaline and rare earth polyhydrides at high pressure: A
theoretical perspective,” J. Chem. Phys. (to be published).
8. H. Liu, I. I. Naumov, R. Hoffmann, N. W.
Ashcroft, and R. J. Hemley, “Potential high-Tc superconducting lanthanum and
yttrium hydrides at high pressure,” Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 114, 6990
(2017).
9. F. Peng, Y. Sun, C. J. Pickard, R. J. Needs, Q.
Wu, and Y. Ma, “Hydrogen clathrate structures in rare earth hydrides at high
pressures: Possible route to room-temperature superconductivity,” Phys. Rev.
Lett. 119, 107001 (2017).
10. Z. M. Geballe, H. Liu, A. K. Mishra, M. Ahart,
M. Somayazulu, Y. Meng, M. Baldini, and R. J. Hemley, “Synthesis and stability
of lanthanum superhydrides,” Angew. Chem. Int. Ed. 57, 688 (2018).
11. A. P. Drozdov, V. S. Minkov, S. P. Besedin, P.
P. Kong, M. A. Kuzovnikov, D. A. Knyazev, and M. I. Eremets, “Superconductivity
at 215 K in lanthanum hydride at high pressures,” arXiv:1808.07039.