O uso da espectroscopia de terahertz em
supercondutores convencionais permitiu a observação do modo Higgs, revelando o
seu acoplamento ressonante não linear com o campo de luz
A descoberta da partícula de Higgs no
CERN em 2012 representou um empolgante progresso
no campo da física de partículas, fornecendo forte evidência da quebra
espontânea de simetria (SSB) e da existência de um campo de Higgs. O conceito da
SSB em física de partículas, desenvolvido por Yoichiro Nambu, foi parcialmente
desencadeado pela teoria BCS da supercondutividade. Esta teoria é baseada em um
efeito que surge quando uma interação une pares de elétrons em estados
bosônicos chamados pares de Cooper. A existência de um análogo da matéria
condensada do bóson de Higgs (um modo de amplitude coletiva que surge a partir
de oscilações do parâmetro de ordem supercondutor: Figura 1) foi proposto por
Philip W. Anderson quase meio século atrás [1], antes da previsão do bóson de
Higgs em física de partículas [2]. Este modo de amplitude coletiva, que só
recentemente foi referido como o modo de Higgs, tem atraído muita atenção [3] a
partir de um ponto de vista fundamental (por exemplo, para o estudo de
transições de fase quânticas, dinâmicas de não equilíbrio e novos fenômenos não
lineares). Usar campos externos para controlar artificialmente o parâmetro de
ordem de materiais supercondutores representa outra perspectiva altamente
intrigante. Esclarecer o comportamento coerente da interação luz-matéria em
supercondutores deve abrir um novo caminho para o estudo de supercondutores não
convencionais, para o foto-controle da supercondutividade e, potencialmente,
para a supercondutividade foto-induzida.
Figura
1. Diagrama esquemático do modo de Higgs (seta vermelha) sobre o potencial de
energia livre no plano do parâmetro de ordem complexo (Ψ). Re:
Real. Im: Imaginário.
O modo de Higgs em supercondutores
tem por muito tempo escapado de detecção experimental. A dificuldade
fundamental reside no fato de que o modo de Higgs em si não acopla diretamente com
ondas electromagnéticas (luz) em regime de resposta linear, devido à ausência
de polarização elétrica ou magnética. Até agora, o modo de Higgs só foi
observado no supercondutor seleneto de nióbio (NbSe2), por meio do espalhamento
Raman. Esta observação é possível porque a onda de densidade de carga (do
inglês, charge-density wave - CDW) no
NbSe2 torna o modo de Higgs ativo no Raman [3,4]. Durante décadas, não
ficou claro se o modo de Higgs pode ser observado em supercondutores
convencionais sem CDW.
Nós
observamos o modo de Higgs no supercondutor convencional nitreto de nióbio e titânio
(Nb1-xTixN) usando espectroscopia de terahertz (THz) [5,6].
Embora o modo de Higgs não acople diretamente com o campo da radiação, ele pode
ser excitado pela luz THz. Nós irradiamos o Nb1-xTixN com
um intenso pulso monociclo THz, gerado pela retificação óptica em um cristal de
niobato de lítio (LiNbO3) [7]. Pares de Cooper são instantaneamente
quebrado pelo intenso pulso THz. Tal perturbação súbita (não-adiabática) do
estado fundamental supercondutor induz uma flutuação da amplitude do parâmetro
de ordem [8,9].
O aparecimento de uma densidade
superfluida, que dá origem ao parâmetro de ordem supercondutor (Δ), surge no espectro da condutividade óptica a
uma energia de fóton próxima do gap supercondutor 2Δ (isto é, no intervalo de frequências THz). Fomos
capazes de sondar a evolução temporal do parâmetro ordem usando pulsos THz com resolução
temporal de sub-picosegundos. A Figura 2 mostra o sinal medido como uma função
do delay da sonda, indicando claramente
que o parâmetro de ordem oscila após a excitação do pulso THz [5]. A frequência
da oscilação coincide com 2Δ (o dobro da
magnitude do parâmetro de ordem supercondutor após a excitação), refletindo
fortemente a assinatura do modo de Higgs com frequência 2Δ [8].
Figura 2. Evolução temporal do sinal mostra o
comportamento oscilatório do parâmetro de ordem. A frequência da oscilação
diminui à medida que a intensidade do impulso aumenta, refletindo a redução do
parâmetro de ordem após o bombeamento. δEprobe: Mudança do campo elétrico da sonda (isto é, o
sinal refletindo a mudança do parâmetro de ordem). Arb.: arbitrária.
Em contraste com o esquema de
excitação não-adiabática do modo Higgs, o modo de oscilação Higgs também pode
ser induzido através do acoplamento coerente não linear entre o modo de Higgs e
os pulsos multiciclos THz de banda estreita com uma frequência sintonizada
abaixo do gap de energia (ω < 2Δ). Embora este pulso THz de sub-gap não seja
capaz de quebrar os pares de Cooper, descobrimos que o parâmetro de ordem oscila
coerentemente com frequência 2ω (duas vezes
a frequência de bombeamento) durante a irradiação do pulso THz. Nós também
descobrimos que esta oscilação forçada do parâmetro de ordem conduz a uma forte
geração de harmônico de terceira ordem (THG), como mostra a Figura 3. O
resultado mais surpreendente é que esta oscilação forçada do parâmetro de ordem
e o THG são fortemente ampliados quando 2ω
coincide com 2Δ (isto é, quando
o dobro da frequência do pulso é igual à frequência do modo de Higgs) [6]. Este
resultado revela ressonância entre o modo de Higgs e ondas electromagnéticas no
regime de resposta não-linear. Este acoplamento não linear entre o forte campo
de luz e o modo de Higgs é descrito pela precessão coletiva de pseudospins de
Anderson [10].
Figura 3. Abaixo: espectro de transmissão THz.
Acima: temperatura crítica supercondutora (15 K). A frequência central do pulso
THz incidente é ω = 0,6 THz. Geração
de Terceiro Harmônico (THG) é observado em 3ω
= 1,8 THz, abaixo da temperatura crítica.
Em resumo, temos confirmado a
existência de um modo de Higgs em supercondutores quase meio século depois de
sua previsão inicial. Bem como incitando um estudo mais aprofundado do modo de
Higgs em supercondutores não convencionais, nossos resultados revelam um novo
tipo de interação luz-matéria não-linear associado a fenômenos de cooperação em
sistemas quânticos correlacionados. Este novo fenômeno óptico mostra a promessa
para aplicação em fotônica THz não-linear e fornece uma nova abordagem para o
estudo da supercondutividade por meios ópticos. Em trabalhos futuros,
pretendemos usar este esquema para estudar o comportamento
dos supercondutores não convencionais.
Ryusuke Matsunaga, Ryo Shimano
Departamento de Física
Universidade de Tóquio
Tóquio, Japão
Referências
1. P. W. Anderson, Coherent excited states in the
theory of superconductivity: gauge invariance and the Meissner effect, Phys.
Rev. 110, p. 827, 1958.
2. P. W. Higgs, Broken symmetries, massless particles
and gauge fields, Phys. Lett. 12(2), p. 132-133, 1964.
3. D. Pekker, C. M. Varma, Amplitude/Higgs modes in
condensed matter physics, Annu. Rev. Condens. Matter Phys. 6, 2015.
4. M.-A. Méasson, Y. Gallais, M. Cazayous, B. Clair,
P. Rodière, L. Cairo, A. Sacuto, Amplitude Higgs mode in the 2H-NbSe2
superconductor, Phys. Rev. B 89, p. 060503(R), 2014.
5. R. Matsunaga, Y. I. Hamada, K. Makise, Y. Uzawa, H.
Terai, Z. Wang, R. Shimano, Higgs amplitude mode in the BCS superconductors Nb1
- xTixN induced by terahertz pulse excitation, Phys. Rev. Lett. 111, p. 057002,
2013.
6. R. Matsunaga, N. Tsuji, H. Fujita, A. Sugioka, K.
Makise, Y. Uzawa, H. Terai, Z. Wang, H. Aoki, R. Shimano, Light-induced
collective pseudospin precession resonating with Higgs mode in a
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7. J. Fülöp, L. Pálfalvi, G. Almási, J. Hebling, High
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2011.
8. A. F. Volkov, Sh. M. Kogan, Collisionless
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9. R. A. Barankov, L. S. Levitov, B. Z. Spivak,
Collective Rabi oscillations and solitons in a time-dependent BCS pairing
problem, Phys. Rev. Lett. 93, p. 160401, 2004.
10. N. Tsuji, H. Aoki, Theory of Anderson pseudospin
resonance with Higgs mode in superconductors, arXiv:1404.2711, 2014.