Vesna Mitrović
em seu laboratório
Um fenômeno procurado há muito que
permite a supercondutividade sobreviver mesmo em campos magnéticos muito fortes,
foi visto pela primeira vez por uma equipe internacional de físicos. O “estado
FFLO” da supercondutividade envolve a formação de entidades quânticas exóticas
conhecidas como estados ligados de Andreev. Além de proporcionar uma visão mais
aprofundada da supercondutividade, a descoberta também pode aprimorar nossa
compreensão da física de partículas e estrelas de nêutrons, e até mesmo melhorar
os sistemas de ressonância magnética (MRI).
Supercondutividade e magnetismo são
geralmente inimigos jurados. Supercondutores expulsam fracos campos magnéticos
que passam através de um condutor normal, enquanto um campo magnético forte o
suficiente destrói a supercondutividade. A supercondutividade convencional
ocorre quando as vibrações em uma estrutura cristalina permite que os elétrons
se liguem em conjuntos formando pares de Cooper que fluem através do material
sem resistência. Os elétrons em cada par têm valores opostos do momento angular
de spin - um com spin-up, outro com spin-down. No entanto, um forte campo
magnético direciona os spins dos elétrons num mesmo sentido, perturbando o
equilíbrio, destruindo os pares de Cooper e a própria supercondutividade.
Pares de elétrons não correspondentes
Contudo,
em 1964, dois pares de físicos - Peter Fulde e Richard Ferrell, ao lado de Anatoly
Larkin e Yuri Ovchinnikov - previram que certos materiais devem superconduzir,
mesmo na presença de campos magnéticos muito fortes. Esse estado FFLO iria ocorrer
como resultado dos pares de elétrons não combinados - tendo um momento angular finito
em vez de zero – reunindo-se em bandas através de todo o material, fora do qual
as correntes supercondutoras ainda poderiam fluir.
Elétrons não ligados
fluindo com o estado FFLO
Nos
últimos 50 anos, muitos grupos têm tentado testar essa ideia experimentalmente,
e alguns têm encontrado evidências indiretas do estado FFLO - principalmente
pela medição das propriedades macroscópicas de supercondutores para criar diagramas
de fase detalhados dos materiais. Rolf Lortz e seus colegas da Universidade de
Hong Kong, por exemplo, identificaram uma nova fase entre o supercondutor e as fases
normais no composto orgânico κ-(BEDT-TTF)2Cu(NCS)2, que
interpretaram como sendo o estado FFLO e que, eles descobriram, impulsionou o
limite magnético (campo crítico HC) de 21 T para quase 30 T.
No mais recente trabalho, Vesna Mitrović
da Universidade Brown nos EUA, e colegas do Japão e do laboratório francês French National High Magnetic Field Laboratory (LNCMI) em Grenoble, encontraram evidências do estado FFLO em
escala microscópica. A pesquisa explora o espectro de energia dos elétrons
desemparelhados de um supercondutor, que têm uma energia mais elevada do que a
variedade emparelhada. Este gap de energia tem um valor único ao longo de uma
amostra de um supercondutor convencional, mas sua variação é prevista de uma
região à outra dentro de um material na fase FFLO.
Quasepartículas supercondutoras
Mitrović
e colegas observaram regiões dentro de folhas muito finas de κ-(BEDT-TTF)2Cu(NCS)2,
onde o gap de energia vai a zero. Essas são regiões onde elétrons emparelhados
e desemparelhados têm a mesma energia, e onde, portanto, é energicamente
possível existirem elétrons desemparelhados. Estes elétrons desemparelhados são
a melhor ideia de como “quasepartículas”, que existem em superposições
quânticas complexas com tudo à sua volta, e, ao contrário de elétrons normais,
podem superconduzir. Especificamente, os pesquisadores procuraram quasepartículas
conhecidas como estados ligados de Andreev, que se assemelham a elétrons
normais, cujos spins apontam na direção de um campo magnético aplicado.
O experimento foi realizado no LNCMI,
onde a ressonância magnética nuclear (RMN) foi usada para confirmar duas
propriedades esperadas dos estados ligados de Andreev - e, portanto, a presença
da fase de estado FFLO. A primeira, e mais importante, envolveu medir o tempo
que levou para os elétrons mudarem sua rotação quando exposto a fortes campos
magnéticos, uma característica que reflete o espectro de energia dos elétrons
em toda a amostra. A segunda propriedade requer medidas da distribuição de spins
dentro do material.
“Outros grupos têm
realizado impressionante e importante trabalho, mostrando que em um alto campo
magnético você entra em um novo estado”,
diz Mitrović. “Mas
eles não poderiam dizer com o que esse estado se parece. O objetivo do nosso
trabalho foi olhar, e o que vemos é realmente muito impressionante.”
Ela acrescenta que o trabalho pode vir a ser importante fora da física da
matéria condensada, porque poderia ajudar os físicos de partículas identificarem
uma forma de supercondutividade que envolve quarks com sabor desequilibrado, e
em astrofísica poderia explicar como estrelas de nêutrons podem apresentar
supercondutividade e ao mesmo tempo gerar enormes campos magnéticos.
Melhores sistemas de ressonância magnética
Lortz
diz que a pesquisa fornece “um tipo diferente de importantes informações” ao
obtido pelo seu grupo. Ele acrescenta que, em princípio, poderia levar à
criação de ímãs supercondutores mais poderosos para sistemas de ressonância
magnética porque o estado supercondutor persiste a campos mais altos. Enquanto
o κ-(BEDT-TTF)2Cu(NCS)2 não é apropriado para fazer ímãs,
Lortz acrescenta que a fase FFLO pode ser observada em materiais mais adequados
no futuro.
Ted
Forgan, da Universidade de Birmingham, que observou o estado FFLO no supercondutor
CeCoIn5, diz que os resultados são “muito convincentes”. Mas ele
ressalta que a RMN, ao fornecer dados microscópicos, não mostra a variação
espacial diretamente. “Talvez a técnica high-field scanning tunnelling
microscopy poderia mostrar um estado espacialmente modulado”,
diz ele.
A
pesquisa foi publicada na revista Nature Physics.
Fonte1: http://physicsworld.com/cws/article/news/2014/oct/29/superconductor-finally-goes-with-the-fflo