Em um
experimento notável, os físicos demonstraram detalhes de um “ponto crítico quântico”
que subjaz a supercondutividade de alta temperatura.
O sistema magnético de 90 Tesla no Laboratório
Nacional de Campos Magnéticos Intensos em
Toulouse, França.
Pesquisadores
do Laboratório
Nacional de Campos Magnéticos Intensos em
Toulouse, França, descobriram uma propriedade fundamental dos cupratos, os supercondutores
mais potentes conhecidos. As descobertas fornecem uma pista importante sobre o
funcionamento interno destes materiais, e pode ajudar os cientistas a
compreender como eles permitem que a eletricidade flua livremente a
temperaturas relativamente elevadas.
Os cientistas usaram um
ímã de 90 Teslas (um campo magnético quase dois milhões de vezes maior que o da
Terra), para momentaneamente interromper a supercondutividade em sua amostra.
Isto revelou detalhes da fase subjacente a partir da qual o comportamento
parece surgir.
Os cientistas
descobriram uma mudança brusca no comportamento que parece ser um “ponto
crítico quântico” nos cupratos, que lembra o ponto de congelamento da água. Os
teóricos há muito especulam que um ponto crítico quântico pode existir, e que
poderia desempenhar um papel-chave na supercondutividade, disse Andrey
Chubukov, um teórico da matéria condensada da
Universidade de Minnesota. “Uma coisa é dizer isso; outra coisa é medi-la”,
disse Chubukov.
Amostra do óxido de ítrio bário e cobre, um material que pertence
à classe dos cupratos, os mais potentes supercondutores conhecidos.
A força motriz da supercondutividade
é mais forte nos cupratos. Nestes materiais, a supercondutividade ocorre em
temperaturas mais elevadas do que em outros, sugerindo que seus elétrons estão
emparelhados por uma ‘cola’ diferente e mais forte. Mas os cupratos ainda devem
ser resfriados abaixo de -100 °C antes de se tornarem supercondutores. A ‘cola’
deve ser ainda mais reforçada se as temperaturas operacionais dos
supercondutores aumentarem. Por 30 anos os cientistas perguntam: Qual é a cola
- ou, mais precisamente, a interação mecânico-quântica entre os elétrons - que causa
a supercondutividade nos cupratos?
Enquanto a detecção
de um ponto crítico quântico não responder definitivamente a essa pergunta, “isso realmente esclarece
a situação”, disse Subir
Sachdev, um teórico da matéria condensada da
Universidade de Harvard. A descoberta derruba várias propostas para a ‘cola’ responsável
pelo emparelhamento dos elétrons nos cupratos. “Existem agora dois candidatos de destaque para
o que está acontecendo”, disse Sachdev.
Um dos candidatos, se
confirmado, deve entrar para os livros didáticos como um fenômeno quântico completamente
novo, com um exotismo que atrai muitos teóricos. Mas se for verdade a
explicação convencional da supercondutividade de alta temperatura, então, os
cientistas saberão identificar imediatamente a chave que deve ser acionada para
reforçar o efeito. Nesse caso, na busca da supercondutividade à temperatura
ambiente, o caminho à diante seria claro.
Sob a redoma
Os pesquisadores Proust Cyril, Louis Taillefer e colaboradores, desenvolveram um mapa, um diagrama de fases, que representa a mistura de diferentes fases exibidas pelos materiais quando suas propriedades são variadas. Os dois extremos do mapa são bem compreendidos: cristais puros do cuprato. No lado esquerdo do mapa, eles agem como isolantes. No lado direito os cupratos dopados com elétrons extras ou “buracos” (déficits de elétrons que se comportam como partículas de carga positiva), se comportam como metais. “A questão fundamental é: como o sistema vai de isolante a metal?”, questiona Taillefer. Os cientistas se perdem no emaranhado de fases que ocorrem em níveis intermediários de dopagem - incluindo a supercondutividade, que se eleva como uma abóbada no meio do diagrama de fase.
O diagrama
de fase dos cupratos dopados com buracos.
O mapa oferece uma pista: uma linha inclinada para cima e à esquerda por cima da abóbada da supercondutividade, dividindo duas outras fases, de maior temperatura. Estender esta linha para baixo até baixas temperaturas, e atingir a base da abóbada no seu ponto central. Teóricos já suspeitavam que a natureza deste ponto pode ser a chave para a compreensão da supercondutividade, que parece formar uma bolha em torno dele.
Quinze anos atrás, Taillefer e Proust começaram a pensar sobre
como investigar esse possível ponto crítico. O problema era que as duas fases
que observaram a temperaturas mais elevadas, desapareceram quando a
supercondutividade surgiu. A fim de investigar o que acontece durante a
transição de uma fase para outra, a equipe teve que encontrar uma maneira de
parar os elétrons no cupratos a partir da formação dos pares supercondutores na
vizinhança do ponto crítico.
Para fazer isso, os
cientistas precisavam de um grande ímã. Os campos magnéticos destroem a
supercondutividade, exercendo forças opostas sobre os elétrons em cada par
supercondutor, quebrando a sua ligação. Mas a cola de emparelhamento em um cuprato
supercondutor é mais forte, sendo mais difícil de quebrar. “Nos cupratos, o campo magnético necessário
para interromper a supercondutividade é muito alto”, disse Proust.
Um ímã poderoso
Ímãs só podem ser tão
fortes quanto os materiais de que são feitos, que devem suportar enormes forças
mecânicas geradas por tsunamis de eletricidade.
O ímã de 90 Tesla no LNCMI em Toulouse funciona através do carregamento de um banco de 600 capacitores
que descarregam todos de uma vez em uma bobina do tamanho de uma lata de lixo.
A bobina é feita de uma liga de cobre ultraforte reforçada com Zylon, uma fibra
mais forte do que o Kevlar. Por cerca de 10 milissegundos, a enchente de
corrente gera um campo magnético poderoso que funciona através do furo da
bobina. Embora o ímã LNCMI não se iguale à potência do
magneto de 100-Tesla no Los Alamos National
Laboratory, “somos capazes de fazer um pulso muito longo,
duas vezes mais do que em Los Alamos”, permitindo medições mais
precisas, disse Jérôme Beard.
Quando os engenheiros
construíram o ímã, colaboradores da University of British
Columbia prepararam as amostras do cuprato
chamado óxido de ítrio bário e cobre (YBa2Cu3Oy).
Eles doparam as amostras com quatro diferentes concentrações de buracos,
abrangendo ambos os lados em torno do hipotético ponto crítico. Depois de resfriar
as amostras a -223 °C e de bombardear com pulsos magnéticos, destruindo momentaneamente
a supercondutividade, mediram uma propriedade do material que indica o número
de buracos por átomo que estão envolvidos no transporte de eletricidade.
Normalmente, esta “densidade de portadores” aumenta gradualmente em função da
dopagem. Mas em um ponto crítico, seria esperada uma mudança repentina,
indicando uma reorganização espontânea dos elétrons no cristal. E foi isso que
os cientistas mediram: um salto repentino de seis vezes a densidade dos
portadores em 19% de dopagem, o local esperado do ponto crítico.
Ponto crítico quântico
O ponto crítico nos cupratos é um “ponto crítico
quântico”, ou um ponto de equilíbrio entre dois estados quânticos em competição.
O estado quântico que prevalece à esquerda do ponto crítico quântico no
diagrama de fases faz com que os elétrons sejam “ordenados”, ou dispostos em um
padrão. O efeito quântico que domina na direita faz com que os elétrons se movimentem
livremente. Mas à medida que o sistema se aproxima do ponto crítico a partir da
esquerda ou da direita, a quantidade de ordem no sistema começa a flutuar,
devido à concorrência entre os dois estados. São estas flutuações de ordem que supostamente
dão origem à supercondutividade na vizinhança do ponto crítico quântico. A
questão é: Que tipo de ordem é?
Nos últimos cinco anos, os pesquisadores suspeitavam de
um tipo de ordem conhecida como ondas de densidade de carga - essencialmente,
ondulações das regiões excessivamente densas e subdensas de elétrons. Mas o
novo experimento, bem como as recentes descobertas indicam que a onda de densidade
de carga morre em um nível de dopagem menor, muito longe à esquerda do ponto
crítico quântico. Agora, duas possibilidades principais permanecem.
A opção mais
convencional, proposta no final de 1980 por David Pines, Douglas
Scalapino e outros teóricos, é o antiferromagnetismo,
um tipo de ordem na qual os elétrons alternam suas direções de spin em um
padrão de xadrez - cima, baixo, cima, baixo etc. Flutuações neste arranjo de
xadrez perto do ponto crítico quântico faz os elétrons alinharem seus spins de
maneira oposta sendo atraídos um pelo outro e se emparelham, dando origem à
supercondutividade. Várias observações indiretas suportam a hipótese do antiferromagnetismo.
De acordo com Chubukov, porque esta ordem seria
esperada para definir um ponto crítico quântico, a nova descoberta é “o elo
necessário” na explicação do antiferromagnetismo.
Mas se o
antiferromagnetismo simples era a resposta, os físicos teriam desvendado o caso
décadas atrás. Experimentadores há muito tentaram e não conseguiram detectar a
ordem antiferromagnética na fase do canto superior esquerdo da abóbada da supercondutividade.
“O problema nos
cupratos é que ninguém encontra qualquer ordem de longo alcance”,
disse Stephen Julian, um
físico experimental da matéria condensada da Universidade de Toronto. Quando
experimentadores procuram o padrão quadriculado, eles não encontram.
Contudo, os defensores
da explicação antiferromagnética apontam para a estrutura cristalina dos
cupratos, que são, essencialmente, folhas bidimensionais empilhadas. Além disso,
há o conhecido teorema Mermin-Wagner, o qual afirma que uma verdadeira ordem antiferromagnética
de longo alcance não pode se desenvolver em materiais bidimensionais a
temperaturas diferentes de zero. Em vez disso, talvez apenas manchas de ordem desenvolva,
como seções de tabuleiro de xadrez, e estas não podem ser detectadas com as técnicas
experimentais existentes. A ordem antiferromagnética de longo alcance se
verifica apenas em temperaturas baixas, dizem os proponentes. O problema é que o
antiferromagnetismo fica sobreposto pela fase que provoca – a supercondutividade
- e por isso não pode ser observado.
Nem todo mundo pensa que
o teorema Mermin-Wagner é relevante. Davis destaca que a ordem antiferromagnética
foi detectada em cupratos não dopados, que têm a mesma estrutura bidimensional.
A falta de ordem antiferromagnética vista até agora perto do ponto crítico
levou alguns pesquisadores a abandonarem essa ideia e apoiar uma teoria mais
exótica apresentada por Sachdev. Ele postula uma espécie de
ordem nos cupratos que não é vista em outros materiais. Nesta ordem, os
elétrons formam compostos que possuem frações de rotação e carga. Sachdev afirma que remanescentes dessa ordem, a qual ele apelidou de
líquido de Fermi fracionado ou estado FL*, forma o precursor da
supercondutividade de alta temperatura.
Decidir se o ponto crítico
quântico recém-descoberto está associado com o antiferromagnetismo ou algo mais
incomum como a FL* deverá mais uma vez exigir ímãs poderosos. Os pesquisadores
experimentais já estão trabalhando em maneiras de procurar o padrão
quadriculado da ordem antiferromagnética a baixas temperaturas, enquanto usa
pulsos magnéticos para interromper a supercondutividade que surge lá.
Se o antiferromagnetismo
for a cola dos elétrons nos cupratos, então os teóricos deverão imediatamente
determinar por que a cola é muito mais forte nestes materiais do que em outros.
O estado FL*, por outro lado, iria fornecer aos teóricos um novo conjunto de indicações.
De qualquer maneira, muitos estão otimistas de que estão no caminho certo para
aumentar as temperaturas de operação dos supercondutores. “Eu acho que ninguém acredita num limite fundamental
que impede a supercondutividade à temperatura ambiente”, disse Stephen
Julian. “O tempo nos dirá. Algumas pessoas acham que será
logo, enquanto outras pensam que vai demorar muito”.