Folha de grafeno
(azul) girada em relação a outra folha (vermelho) sob efeito de um campo
elétrico (verde). Crédito: Jose Lado
Além de transmitirem eletricidade
sem resistência elétrica, os supercondutores interessam aos físicos pelos
estranhos estados quânticos que os elétrons podem assumir no interior desses
materiais. As propriedades desses estados exóticos podem servir de base para
construir computadores quânticos, por exemplo. Infelizmente, ainda continua
muito difícil a fabricação e controle das propriedades desses materiais. Um
estudo teórico realizado pela brasileira Aline Ramires e
o espanhol Jose Lado, no Instituto Federal de
Tecnologia de Zurique (ETH), na Suíça, mostra como criar e controlar
estados exóticos de elétrons em folhas de grafita com um átomo de espessura, um
material mais conhecido como grafeno.
“Podemos agora usar a
estrutura mais simples e controlável do grafeno para estudar um tipo de física
antes estudada apenas em sistemas muito complexos”,
diz Ramires, que desde
setembro trabalha no Instituto Sul
Americano para Pesquisa Fundamental (SAIFR-ICTP), no prédio do Instituto deFísica Teórica da UNESP, em São Paulo. A física é a primeira autora do artigo científico
destacado na capa da primeira edição de outubro da revista Physical Review Letters.
Ramires explica que, a princípio, elétrons
em estados exóticos só poderiam ser obtidos em grafeno aplicando no material um
campo magnético de intensidade alta demais para se realizar em laboratório. No
artigo publicado, os pesquisadores apresentam uma nova receita para produzir
esses estados exóticos usando apenas um campo elétrico, relativamente mais
fácil de ser gerado.
Pegue duas folhas de grafeno e
coloque uma sobre a outra, perfeitamente alinhadas. Em seguida, gire apenas um
pouquinho a folha de cima, não mais que um grau de rotação em relação à folha
de baixo. Resfrie as folhas até a temperatura de 1 Kelvin (272 graus Celsius
abaixo de zero) e depois aplique um campo elétrico. De acordo com os cálculos
de Ramires e Lado, os
elétrons se comportam nessas condições exatamente da mesma maneira que se
comportariam caso as folhas de grafeno estivessem alinhadas e sob ação de um
campo magnético.
Por coincidência, logo após a dupla
de físicos publicar seus resultados em um manuscrito no
repositório ArXiv, em março deste ano, um grupo de físicos liderado por Pablo Jarillo-Herrero, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Estados Unidos, apresentou resultados
de experimentos com duas folhas de grafeno, mostrando que girar as folhas sob
um campo elétrico até um determinado ângulo produz um estado supercondutor.
O estudo de Ramires e Lado, porém, sugere que girar
uma folha em relação à outra por um ângulo cerca de dez vezes menor pode fazer
com que os elétrons assumam ainda outros estados exóticos, além do estado
supercondutor observado pela equipe do MIT.
Em um desses outros estados, os elétrons podem ficar localizados no espaço em
um arranjo que lembra o padrão geométrico de cestos de bambu tradicionais
japoneses, o padrão kagome.
Nesse estado os elétrons formam o que os físicos chamam de líquidos de spin,
normalmente observados em pirocloros, materiais de composição química muito
mais complicada que a do grafeno.
Enquanto uma equipe de físicos
experimentais da ETH trabalha para
confirmar suas conclusões em laboratório, Ramires continua sua investigação teórica
para entender como campos elétricos controlam o surgimento de estados exóticos
de supercondutividade no grafeno. Atualmente, esses estados exóticos são
observados apenas em materiais chamados de cupratos. São óxidos de cobre com
alguns de seus átomos de oxigênio substituídos por elementos químicos
diferentes. Físicos estudam há mais de três décadas os cupratos, por serem
materiais supercondutores a temperaturas relativamente altas, da ordem de 100
Kelvin. Ainda assim, os cupratos são muito complicados de serem sintetizados e
suas propriedades ainda não são totalmente compreendidas. “Estudar esses estados
exóticos no grafeno talvez dê algumas dicas para entendermos melhor esses
materiais mais complexos”, diz Ramires.
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