Desenvolvimento tecnológico nas fábricas de pisos e azulejos leva o
Brasil ao posto de segundo produtor mundial
Revista Pesquisa FAPESP - YURI
VASCONCELOS | Edição 205 - Março de 2013
Nos últimos
15 anos o Brasil multiplicou por quatro sua produção de revestimentos
cerâmicos, material que engloba pisos e azulejos, e hoje é o segundo maior
fabricante mundial desses produtos. Com 866 milhões de metros quadrados (m²)
produzidos em 2012, o país só perde para a China e já superou concorrentes
tradicionais, como Espanha e Itália, que até há alguns anos dominavam o setor. De
acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento,
Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), que representa 93 empresas de 18
estados, os fabricantes nacionais estão alinhados com a melhor tecnologia
disponível no mundo. O crescimento brasileiro acentuou-se na década passada,
quando o setor recebeu apoio de um projeto submetido ao programa de Consórcios
Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec), da FAPESP, que reuniu
pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e de um conglomerado de
empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes, na região de Rio Claro, no
interior paulista, além de pesquisadores de universidades e institutos de
pesquisa. Com foco no desenvolvimento da indústria local, o projeto introduziu
inovação e capacitação de pessoal nas fábricas a fim de melhorar a qualidade e
a competitividade da cerâmica do estado de São Paulo.
Em 2001, quando o projeto Consitec teve início, o Brasil era o quarto
produtor mundial de placas cerâmicas, com 473 milhões de m², e São Paulo
respondia por 40% da fabricação nacional. Hoje as empresas paulistas respondem
por cerca de 70% da produção nacional, de 866 milhões de m², e o país é
vice-líder mundial. “Quando se iniciou a articulação com as empresas para
formação do consórcio, a imagem dos produtos de Santa Gertrudes era bem
negativa. Os itens eram reconhecidos como de baixa qualidade técnica e
estética”, recorda-se o engenheiro de materiais José Octavio Armani Paschoal,
presidente do CCB e coordenador do projeto do Consitec. “Agora isso mudou. São
Paulo conquistou papel de destaque no cenário da fabricação de placas cerâmicas
para revestimento. Se antes íamos a reboque, hoje estamos na linha de frente”,
diz ele.
As empresas paulistas faturaram R$ 3,78 bilhões em 2011. A Anfacer não
divulgou os dados sobre o faturamento do setor em âmbito nacional, que gera 25
mil postos de trabalho diretos e em torno de 200 mil indiretos. O projeto
Consitec foi articulado com 20 fábricas paulistas e contemplou sete linhas de
pesquisa, desde inovações na área de ensaios para avaliação de produtos a
estudos em tecnologia de assentamento de placas cerâmicas. Três linhas tiveram
como foco o porcelanato, um tipo de placa cerâmica sofisticada com alto valor
agregado e requisitos técnicos diferenciados, como menor absorção de água,
maior resistência mecânica e design mais elaborado. Foram pesquisados o
desenvolvimento de matérias-primas para fabricação dessas peças, o estudo da
tecnologia de processo industrial e a formulação de esmaltes especiais.
Um dos
principais benefícios do projeto Consitec, que teve investimentos da ordem de
R$ 586 mil num período de sete anos por parte da FAPESP e igual valor das
empresas, foi proporcionar uma melhora significativa da qualidade da cerâmica
paulista. “O percentual de placas classificadas como classe A, isentas de
defeitos, tais como trincas, manchas e variações na tonalidade do esmalte,
entre outros, subiu de 50% para 98% ao final do programa. Menos de 2% das
placas cerâmicas produzidas hoje no estado têm imperfeições”, diz Paschoal.
Segundo ele, o primeiro obstáculo a ser superado foi ajustar o processo de
produção nas fábricas, buscando implantar um sistema de gestão de qualidade.
“Percebemos que as empresas não tinham o controle de todo o processo. Com o
início da certificação da qualidade do produto acabado, feita pelo CCB, o
índice de não conformidade às normas nacionais e internacionais caiu
drasticamente. O setor de cerâmica para revestimento transformou-se em um dos
líderes do setor da construção civil em matéria de conformidade com as normas
técnicas”, comenta Paschoal. O número de empresas do polo cerâmico de Santa
Gertrudes com produtos de qualidade certificados chegou a 20 em 2008, o dobro
de sete anos antes. No mesmo período, a quantidade de fábricas com sistema de
qualidade certificado pela norma ISO 9001 passou de 4 para 13.
Além do aumento da qualidade e da certificação dos produtos, as
indústrias paulistas também passaram a fabricar um volume maior de peças de
porcelanato. “O porcelanato é um produto mais caro e compete com rochas
naturais, como mármore e granito”, diz a engenheira de materiais Ana Paula
Menegazzo, superintendente do CCB. “Quando as empresas brasileiras começaram a
fabricar esse tipo de produto, o consumidor com maior poder aquisitivo comprou
a ‘grife’, inclusive pagando mais por ela.” Segundo estatísticas da entidade, a
produção brasileira do item aumentou 18 vezes na década passada, saltando de 4
milhões de metros cúbicos em 2001 para 72 milhões em 2011. No mesmo período, o
número de fabricantes paulistas da mercadoria passou de 3, que produziam apenas
peças de pequenas dimensões (pastilhas), para 15, com know-how para
fazer placas com mais de um metro quadrado. Apesar do aumento, o maior centro
produtor de porcelanato no país ainda é Santa Catarina – estado que também
concentra um importante polo cerâmico.
No interior
paulista, a Villagres, com sede em Santa Gertrudes, é uma das principais
fabricantes de pisos e revestimentos de porcelanato. Com tradição na produção
de cerâmica há quase 90 anos, ela tem 108 diferentes itens de seu portfólio e
vem investindo em novas tecnologias. A empresa foi uma das primeiras no estado
a empregar a tecnologia de impressão digital, um processo feito com jato de
tinta que possibilita serigrafar qualquer superfície cerâmica. “É um processo
sofisticado, mas, ao mesmo tempo, fácil de ser trabalhado. Você pode, por
exemplo, escanear uma pedra na natureza e reproduzir seus traços no
porcelanato. A máquina funciona como se fosse uma impressora de papel, com a
diferença que ela usa esmalte sobre uma placa de cerâmica”, explica Vanderli
Vitório Della Coletta, dono da Villagres. A empresa produziu 6 milhões de m2
de revestimentos cerâmicos em 2012 e teve um crescimento de 6% no faturamento
em relação a 2011. “Tivemos um ano muito bom e continuamos em expansão. Estamos
melhorando o nosso portfólio e migrando nossa produção para o porcelanato”,
diz.
Para Marcos Serafim, gerente da área de inovação do CCB, a impressão
digital traz uma nova forma de pensar o design de produtos e o sistema
industrial do setor, e impõe alguns desafios. “Apesar de toda a mudança
tecnológica, a transformação mais profunda tem que acontecer no design.
A questão agora é como capturar, trabalhar e manipular digitalmente esses
desenhos sem que aconteça uma pasteurização gráfica”, diz ele. Nesse quesito,
segundo Serafim, as indústrias nacionais continuam tendo por referência países
como Espanha e Itália, que comercializam os desenhos digitais diretamente para
as empresas nacionais ou via fornecedores de matérias-primas ou estúdios de design.
“O Brasil precisa inovar criando sua própria identidade em design de
produtos”, comenta.
Argila em
forma bruta antes do processamento na indústria
Um fator
determinante para o crescimento do setor cerâmico de São Paulo é a qualidade da
matéria-prima usada na fabricação dos produtos. “Santa Gertrudes tem uma das
maiores minas de argila do mundo”, diz Elson Longo, professor do Instituto de
Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e coordenador
do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos
(CMDMC), um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.
“Além disso, a argila vermelha que aflora próximo à superfície da região é de
ótima qualidade e os fabricantes não precisam colocar quase nenhum aditivo para
fabricar os produtos. Esse é um importante diferencial competitivo”, diz Longo.
Ele coordenou as pesquisas do projeto Consitec, no lado acadêmico, com
pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo. “A tecnologia e o
conhecimento gerado no projeto Consitec só foram possíveis com o financiamento
da FAPESP”, diz Longo.
Por conta
das propriedades da matéria-prima, os revestimentos cerâmicos feitos no
interior paulista utilizam a moagem a seco, processo mais simples do que a “via
úmida” e que proporciona uma redução de custos de até 50%. A preparação da
massa para moagem a úmido, empregada em Santa Catarina e em outros lugares do
país, requer várias etapas, enquanto no processo a seco a argila passa apenas
por um moinho e já está pronta para prensagem. “A argila encontrada na formação
Corumbataí, na região de Santa Gertrudes, possui propriedades de plasticidade
privilegiadas, o que permite um tempo de queima menor, elevando os índices de
produtividade”, diz Ana Paula.
O estudo das
propriedades da argila do interior paulista é o tema do doutorado do engenheiro
de materiais Rogers Rocha, dono da fábrica Rochaforte, em Cordeirópolis.
“Existe uma grande diferença na argila dentro de uma mina e de uma mina para
outra. Eu pesquiso as características mineralógicas, químicas e cerâmicas das
rochas da formação Corumbataí, de onde é extraída a argila usada pelas fábricas
locais”, afirma o pesquisador-empresário. “Entender melhor as características
da matéria-prima vai nos ajudar a melhorar a qualidade dos itens que produzimos.”
A Rochaforte foi criada há 60 anos pelo avô de Rogers. Como tantas outras
empresas do setor da região, ela começou fabricando telhas e tijolos e passou a
oferecer lajotões, um tipo de piso rudimentar. Atualmente fabrica por mês 2
milhões de m2 de revestimentos cerâmicos, utilizando a moagem a
seco. “Esse processo é incomparável em termos de custo”, diz Rocha.
Segundo o
empresário, o desenvolvimento tecnológico e o aprimoramento dos processos
fabris foram fundamentais para o boom da cerâmica paulista. “A
aproximação da nossa indústria com a academia melhorou demais os produtos e
processos. Percebo resultados práticos da pesquisa na minha empresa. Alguns dos
nossos produtos têm o mesmo nível de qualidade dos fabricados na Espanha e na
Itália”, diz ele. Além de vender para o mercado interno, a Rochaforte exporta
para clientes nos Estados Unidos, Chile, Argentina e alguns países da América
Central.
Inaugurado há 20 anos, o CCB teve um papel central na evolução do setor
cerâmico nacional. A entidade tem atuado na pesquisa e no desenvolvimento de
produtos cerâmicos, operando principalmente na interface universidade-empresa e
realizando serviços de assessoria técnica e tecnológica para o setor. O Centro
de Inovação Tecnológica em Cerâmica (Citec/CCB) dispõe de uma moderna
infraestrutura laboratorial que foi qualificada pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para a realização de ensaios de
certificação e de controle de qualidade de produto e processo. Ele possui uma
instalação completa para fabricar qualquer tipo de placa cerâmica em escala
laboratorial, bem como equipamentos para avaliar resistência à flexão, desgaste
por abrasão e resistência ao escorregamento de pisos.
Na empresa Villagres, impressão digital reproduz
foto de um tigre no piso de cerâmica
Apenas em 2011 foram executados 20.577 ensaios nos laboratórios do
Citec/CCB, que conta com 12 pesquisadores, sendo 3 mestres e 3 doutores. “Com o
início de operação do Citec, passamos a desenvolver novos produtos, a melhorar
o processo produtivo e a realizar atividades pós-venda. Isso permitiu uma
sólida compreensão dos principais problemas observados nos revestimentos
cerâmicos. Da mesma forma, conduzimos pesquisas no sistema de aplicação da
cerâmica, que permitiram uma queda importante nos problemas de assentamento do
produto”, afirma Paschoal.
Em conjunto com a Anfacer, a associação de fabricantes, o CCB também
participou da elaboração de normas técnicas do setor, entre elas a norma
brasileira de porcelanato. A entidade é a coordenadora da Comissão de Estudos
de Placas Cerâmicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Com
parâmetros muito rigorosos, a norma do porcelanato, a NBR 15463, foi criada a
partir de uma demanda dos próprios fabricantes com o objetivo de ressaltar a
alta qualidade e a competitividade do porcelanato brasileiro. Pioneira no
mundo, ela foi apresentada ao Comitê Internacional ISO 189, que trabalha com
normas mundiais para revestimento cerâmico”, conta Ana Paula. “O Brasil é o
único país com uma norma específica para porcelanato, cujos requisitos técnicos
são os mais exigentes entre todos os países. Por isso, posso afirmar sem medo
que os porcelanatos certificados pelo CCB são os melhores do mundo”, diz.
Segundo ela, o Brasil participa ativamente dos trabalhos de revisão de normas
técnicas internacionais. “Atualmente trabalhamos com o Instituto de Tecnologia
Cerâmica (ITC), da Espanha, o Tile Council of North America (TCNA), dos Estados
Unidos, e o Centro Cerâmico de Bolonha (CCB), na Itália, na criação de uma nova
metodologia de ensaio para medição da resistência à abrasão dos produtos
cerâmicos”, diz.
Os bons resultados dos últimos anos têm mantido o otimismo dos
industriais em alta. Muitas empresas paulistas planejam expandir suas fábricas,
como a Rochaforte, que programa a abertura de filiais no Nordeste. As filiais
são importantes porque o transporte das mercadorias das fábricas para os locais
de consumo tem um custo relevante no preço final do produto. A expansão do
mercado interno, segundo Paschoal, deve continuar aquecendo a procura por
revestimentos cerâmicos. “Apesar do aumento significativo de construção de
novas unidades habitacionais nos últimos anos, ainda existe um grande déficit de
moradias no país, da ordem de 10 milhões de unidades. Além disso, há também o
mercado de reforma de construções, o que indica um grande consumo potencial
para a cerâmica”, diz. Para ele, o grande desafio daqui para frente é elevar a
produtividade da indústria nacional e promover o desenvolvimento de novos
produtos cerâmicos, principalmente por meio de inovações tecnológicas,
“permitindo que o Brasil atinja ainda mais protagonismo no mercado mundial”.
Projeto
Consórcio setorial da indústria de cerâmica para revestimento do estado de São Paulo: inovação tecnológica e competitividade (nº 2001/10783-5); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec); Coord. José Octávio Armani Paschoal — CCB; Investimento R$ 586.715,13 (FAPESP) e R$ 586.715,13 (Empresas).
Consórcio setorial da indústria de cerâmica para revestimento do estado de São Paulo: inovação tecnológica e competitividade (nº 2001/10783-5); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec); Coord. José Octávio Armani Paschoal — CCB; Investimento R$ 586.715,13 (FAPESP) e R$ 586.715,13 (Empresas).
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