A superfície de Fermi no sulfeto de hidrogênio sob 200 GPa de pressão.
(Cortesia: Ion Errea, Matteo Calandra et al.)
A supercondutividade convencional pode ocorrer em
temperaturas muito mais altas do que o esperado, de acordo com cálculos feitos
por uma equipe internacional de físicos liderada por Matteo Calandra do Instituto IMPMC em Paris. Os
pesquisadores desenvolveram um modelo teórico para explicar o recorde da
supercondutividade relatada no ano passado para o sulfeto de hidrogênio (H2S),
o qual a equipe atribui a interações relativamente simples semelhantes aquelas que
ocorrem em supercondutores convencionais de baixa temperatura.
Supercondutores de
baixa temperatura são bem descritos pela teoria BCS, em que interações
com fônons levam ao emparelhamento de elétrons em pares de Cooper que viajam
através do material sem resistência. A maior temperatura crítica (TC)
para esta classe de supercondutores é apenas 39 K (para o MgB2).
Apesar da grande quantidade de pesquisa feita sobre
supercondutores de alta temperatura, grande parte da física subjacente à sua
supercondutividade permanece desconhecida. Esse mistério foi aprofundado no final
do ano passado quando Mikhail Eremets e colaboradores
descobriram que quando submetido a uma pressão extremamente alta (200 GPa), o H2S
tem uma TC de 190 K (Veja aqui).
Enquanto a TC de supercondutores de alta temperatura pode ser
aumentada pela aplicação de pressão, o H2S parece destinado a
tornar-se o novo recordista se a medida for confirmada.
A coisa estranha
sobre o H2S é que - ao contrário de outros supercondutores de alta
temperatura – ele não existe em um estado magnético, e, portanto, se assemelha mais
a um supercondutor convencional. Essa observação levou Calandra e colegas a usar a
teoria BCS como
ponto de partida para os seus cálculos.
As interações entre
os elétrons e as vibrações dos átomos de hidrogênio são a chave para a
compreensão da supercondutividade no H2S. O hidrogênio tem uma massa
muito pequena e vibra em frequências relativamente elevadas. Estes modos de
alta frequência interagem fortemente com elétrons e deve resultar em um
supercondutor com uma TC muito alta. Quando Calandra e colegas utilizaram a teoria
BCS para
calcular a TC do H2S em alta pressão, eles obtiveram um
valor de 250 K - muito maior do que o observado 190 K.
A equipe acredita
que a TC real é um pouco menor, porque a teoria BCS assume que os
átomos vibram no material como osciladores harmônicos simples. No entanto, átomos
leves como hidrogênio sofrem oscilações anarmônicas mais complicadas, e isso
pode enfraquecer significativamente as interações que criam os pares de Cooper.
Depois de levar em conta os efeitos anarmônicos em seus cálculos, os
pesquisadores calcularam uma TC muito mais realista de 194 K.
Aumentando a pressão
Os cálculos também
sugerem que a interação entre os efeitos anarmônicos e outras propriedades do
material resulta numa TC constante entre 200-250 GPa. Observar esse
efeito no laboratório seria um bom teste para os cálculos, Calandra diz não ter
conhecimento de quaisquer medições acima de 200 GPa. Ele ressalta que a
experiência de 200 GPa foi extremamente difícil de fazer, e que Eremets
e colegas são provavelmente os únicos pesquisadores capazes de estudar o H2S
a pressões mais elevadas.
“A descoberta de Eremets
e nosso trabalho teórico fundamentam o caminho para a
busca da supercondutividade de alta TC em hidretos e materiais à
base de hidrogênio em geral”, diz Calandra. “Nesta classe de materiais deve ser possível
encontrar supercondutores com uma TC da mesma ordem (ou superior) do
que o H2S a alta pressão”, acrescenta.
Elisabeth Nicol da
Universidade de Guelph no Canadá está entusiasmada com os resultados. “O surpreendente é
que podemos ter um supercondutor de elétron-fônon que opera a 190 K”,
diz ela. Nicol,
que não estava envolvido nos cálculos, acrescenta que “Embora tecnicamente a teoria da
supercondutividade em si não estabeleça um limite na TC, o consenso
foi que os supercondutores de elétron-fônon têm baixa TC.
Claramente, estamos aprendendo que ainda há possibilidades para a supercondutividade
convencional”.
O trabalho está
publicado na Physical
Review Letters.